É
como se você gritasse a plenos pulmões e ninguém pudesse te ouvir. Como se você
estivesse todo em preto e branco enquanto o resto do mundo fosse tão colorido
que chegasse a doer.
Imagine
um imenso parque de diversões: muitos brinquedos coloridos e giratórios, com
suas luzes brilhantes, suas músicas alegres, o perfume dos doces inebriando o
ar fresco da noite, os barulhos suaves das engrenagens limpas, as risadas, os
casais transbordando de amor, amigos, famílias, risos, conversas.... e você ali
no meio, gritando em desespero, tentando chamar a atenção de alguém. Mas você é
cinza e ninguém te vê ou sequer te ouve. É mais ou menos essa a sensação.
É
como se você estivesse sozinho dentro de um bote no meio de um oceano violento
e pouco amigável. O céu é pesado e repleto de nuvens acinzentadas, como lápides
velhas e arranhadas. As nuvens berram seus trovões e cintilam o firmamento com
seus raios, tentando te assustar ou até mesmo mandar você embora. E você
continua sentado no fundo do frágil bote. O corpo retesado. As pernas
flexionadas junto ao peito arfante. As mãos na cabeça, puxando os cabelos
desgrenhados. Os olhos abertos costurados de lágrimas. E o grito mudo na
garganta. Ninguém vai te ouvir.
A
sensação é ver o seu interior se encher de vazio e se pintar de preto, enquanto
seu coração chora um negrume sem fim e se aperta cada vez mais. E nesse imenso
nada você sente um anzol vindo de lugar nenhum se prendendo no seu umbigo e te
puxando pra dentro daquela imensidão de coisa nenhuma. Você literalmente sente
o puxão do anzol. E a única coisa que desce é o véu de lágrimas.
Sentado
no quarto, colado na parede, deitado no chão. Escorado na pia, as costas na
porta, os pés descalços. Muitos são acompanhados de navalhas, leves e afiadas,
que se apresentam como velhas amigas. Alguns riscos, alguns cortes, alguns
pequenos rios vermelhos. A dor física sobrepõe a emocional. O vermelho tinge a
tristeza e te puxa de volta. Mas o dano causado a pele é muito maior do que se
pode perceber. A pele não é nada. Porque você não risca a pela. Você dilacera a
mente e rasga a alma. E de nada adianta.
Abandona
a lâmina, abandona a escrita, abandona o refúgio. Deixa pra trás o que te faz
bem e abraça o vazio. Se preenche de lágrimas, se cobre com angústias e deita
na solidão. Parece uma poesia bonita e sofrida, mas é realmente o que ocorre.
Sua
mente não funciona, seu coração não bombeia, seu corpo não mexe. Seus olhos não
se fecham, o sono não vem, a noite não termina. E o vazio continua e o nada
permanece.
É
como se você pegasse seu corpo e o transformasse em um jarro. Dentro dele são
depositados litros e litros de sofrimento, de passados, de lembranças pesadas e
dolorosas. O vaso trinca, a cerâmica racha e a pintura descasca. E você
continua a sofrer. E o mais engraçado e trágico dessa história toda é que você
nem ao menos sabe o porquê está triste. Não teve motivo, não teve gatilho.
Simplesmente chegou e tomou tudo que você tem.
E
do mesmo jeito que ela veio, ela se foi. Muitas vezes da mesma forma, outras
vezes de forma inesperada. E diversas vezes com ajuda.
No
mesmo instante que seu corpo vazio e cinzento está sentado no nada, um outro
corpo repleto de luz chega, senta ao seu lado e te colore um pouquinho. Doa
para seu receptáculo escuro um pouco de luz. Te abraça, te conforta e te ajuda
a se erguer.
Já
não tem mais vazio, nem lugar escuro e nem anzol. Seu interior brilha uma luz
quentinha e tímida que logo te põe de pé. E você recomeça. Se recompõe, se
levanta, se propõe novamente a continuar. Mesmo sabendo que pode não valer a
pena. Mas sabe que mesmo que nada ao seu redor valha a pena, você mesmo vale a
pena. E que isso é muito importante.
É
como se as águas guardassem, em seu reflexo disforme os dias que se vão. E que
você não precisa mais deles. A não ser aqueles cristalinos e cheios de vida e
de luz. E mesmo assim você sabe que isso não dura pra sempre. Sempre terá o
anzol, o quarto vazio, a parede fria e o escuro. E mesmo assim você não desiste
de lutar.
Sabemos
que nossas batalhas são mais pesadas e que nossas lutas são mais escuras. Mas
também sabemos que ninguém mais sabe como é estar aqui. E mesmo que eu tenha
rabiscado essas linhas, não é a mesma coisa sempre. E jamais será. Também não
será igual para os outros e nem ao menos para mim. Mas é a nossa sina. Devemos
resistir sem o benefício da sobriedade constante. E resistimos.
Mas
é como se você estivesse sozinho, sentado em um banco frio... esperando.
E ninguém viesse
te buscar...