domingo, 8 de dezembro de 2013

~ Um navio, um castelo e um colar

Uma intempérie aponta no horizonte. O céu, antes azul e calmo, já sepulta sobre nós uma chuva não tão fina que despenca de um mar de nuvens lapidadas em mármore frio e acinzentado. Nuvens duras e intransponíveis que choram, gritam, ecoam tristes lamentos, criam bocas enormes, sopram ventos que irão uivar tempestades.
O pobre navio jaz frágil no meio do mar revolto. Ondas gigantescas que crescem ainda mais vêm bater seus cabelos de água e espuma na madeira lascada da embarcação. A construção gira, balança e sacode ao bel sabor da tempestade e de seus ventos caprichosos, que sopram as águas, as ondas, as velas, o navio. E o pobre homem que está dentro dele.
No interior do barco um homem chora. Suas vestes já não são mais belas e seu corpo já padece pelas feridas embatumadas que lambem sua pele. Está cansado, com frio e com medo. Sua carcaça repousa pesada no chão frio de madeira, escorado em um pedaço de pau que faz as vezes de pilastra e que sustenta boa parte do piso superior do navio.
O homem parou de chorar. Agora treme, escondendo o rosto sob as mãos calejadas e fracas. E ele olha pra mim, mas não para mim. Seu olhar atravessa meu olhar como uma faca quente na manteiga fresca. Seus olhos são tristes e bordados de lágrimas. Parece querer me dizer alguma coisa. Ele abre a boca murcha e fina. Seu rosto parece retorcido de dor. E ele grita. E continua mirando seu olhar em mim. Mas... ele olha pra mim? O que eu estou fazendo num navio? Acordo de sobressalto. A testa pintada de gotículas de suor, o corpo dormente e endurecido, os cabelos desarrumados. Me localizo no meu próprio quarto, passo as mãos no rosto e no cabelo, os olhos fechados. Bufo. Estava dormindo.
Deito pesadamente a cabeça no travesseiro já não tão mais fofo e encaro o teto branco. O sol ainda não nasceu e nem o canto dos passarinhos eu escuto. No silêncio que agasalha a minha madrugada fria e solitária eu deixo de encarar o teto e acabo encarando a mim mesmo. O sonho que tive pareceu um breve e literário resumo desses últimos dias. Tenho me sentido perdido... perdido e sozinho. Com medo. Como se eu estivesse abandonado no meio de um oceano caótico e não soubesse nem ao menos para que direção tentar nadar.
Minha pacata e rotineira vida deu uma reviravolta em suas poucas voltas que me tirou do eixo e me deixou às voltas comigo mesmo. Os amigos já não parecem se importar tanto, os abraços já não parecem mais tão apertados e acolhedores, as vozes já me soam tão nítidas e melodiosas. E, por causa dessas voltas, reviravoltas e piruetas, me surpreendo perguntando a mim mesmo aquilo que sempre temi perguntar: quem sou eu? Quem, exatamente, sou eu? E por incrível que pareça eu já não sei mais o que responder. Estou perdido.
Antes eu estava na minha torre alta, encarapitado no meu castelo perolado e intransponível. Hoje passeio junto a plebe com minhas roupas rasgadas e rio um riso desdentado junto aos bêbados dos becos escuros e purulentos. Quem sou eu? Já quase não me reconheço ao olhar no espelho... os olhos, os cabelos, as pintas, as curvas... já não fazem mais sentido. Já parecem não completar mais umas as outras. Quem sou eu?
Volto ao meu quarto. Já não tenho mais castelo de pérolas nem a torre mais alta. Volto a ter todos os dentes, o sorriso cheio e o rosto comum. Viro na cama e encaro a parede lisa. Nem um raio de sol entrou pelas frestas da janela (ainda não era hora do sol acordar, mas eu não sabia as horas). E, por sorte ou azar, me lembro de um certo alguém. O olhar, o sorriso singelo e marcante, o rosto bonito. A testa lisa, os cabelos lisos, as mãos lisas. Inúmeros encontros noturnos, beijos no meio da tarde, mãos entrelaçadas. Uma corda no pescoço.
Pensei, erroneamente, que já estava preparado. Que nada mais me atingiria. Confiei demais nos calos que calejaram meu ser e nas inúmeras barreiras e portões que coloquei em mim mesmo. Confiei demais. Sei que não me entreguei por inteiro. Respeitei meus próprios limites, suas próprias fronteiras, nossas próprias barreiras. "Eu gosto de você..." E, assim, me coloquei em um lugar que não era meu. A queda foi dura, silenciosa, vazia. Pensei ter atingido um ponto que eu nem ao menos cheguei perto. Iludido pelo meu próprio ego. Subi no topo da montanha, admirando a enseada logo abaixo. Subo no galho da frondosa árvore que está logo abaixo de mim, sentando confortavelmente em seus galhos. Algo me incomoda a garganta. E caio. Sem tocar o solo. A corda no pescoço me segurou. (In)Felizmente.
Acordo novamente. Os olhos abertos no supetão do susto. Pisco algumas vezes. Volto a mim mesmo. A tela do celular incomoda. A luz está forte demais. Mesmo assim forço a vista e deslizo o dedo pela tela. Conecto-me num ambiente imenso e repleto de tudo. Mas ainda assim vazio pra mim. Como se eu estivesse andando por um salão de festa e as pessoas simplesmente desaparecessem a medida que eu caminho em direção ao centro da pista. Como se a luz fosse tragada por mim, assim como um buraco negro que desliza sorrateiro por uma galáxia e puxasse para seu próprio vazio cada centelha de tudo e mesmo assim permanecesse vazio.
Mas, quem sou eu? Sou o navio? O homem? O castelo? O plebeu? O ser preso confortavelmente no alto da torre? O iludido? Quem sou eu?
Não sei responder. Pelo menos não agora. Vou me voltar para mim mesmo. Tentar encontrar a direção enquanto tento boiar no mar revolto. Se as velas do meu navio ou as paredes do meu castelo ainda conseguirem resistir à fúria tempestuosa dos ventos e das ondas, conseguirei encontrar o norte, a terra prometida, o solo fértil. Ou não.
Meu corpo flutua envolto nas águas do mar furioso. O azul profundo me cerca. Gostas caem no meu rosto apavorado. Olho pesaroso para o céu e estendo a mão, suplicando para que alguém que estivesse acima de mim me puxasse, me salvasse. A única resposta que tive foram as gotas finas e geladas que continuaram a cair no meu rosto encharcado. Um trovão ressoa retumbante e forte no firmamento. O coração acelera, o sangue aumenta sua velocidade, o corpo treme.
Abro os olhos novamente. Cochilei. Estou na minha cama... de novo. Viro pro outro lado encarando a porta. Me cubro para tentar proteger do frio sereno que a noite está soprando. Algo me incomoda. Coloco a mão no pescoço. A corda!

...

E o navio afundado que nunca afunda continua a ser lançado pelos ventos. Os cabelos de espuma e água das ondas nervosas continuam a bater no casco. O velho ainda está tremendo.


...


A figura disforme ainda está arrumando sua coroa brilhante no alto de sua torre mais alta. O castelo continua a brilhar suas pérolas. O plebeu continua a dançar uma dança pagã e cigana. Os dentes ainda faltam.


...

O corpo ainda balança para lá e para cá com o colar de corda no pescoço...

domingo, 14 de julho de 2013

~ Realidade

Enquanto caminho despreocupadamente pela orla da praia, me deparo com o por do sol recheado de lembranças e de cores. Paro. Observo. Contemplo. Encontro um banco de madeira avermelhada e mordiscada pelo tempo. Sento-me. Espero.
Enquanto meus olhos percorrem, sem nada ver, aquele espetáculo de cores quentes e frias, de um amarelo ouro casado com o alaranjado típico do fim da tarde e das veias do outono que tingem a tela azulada do começo do crepúsculo, repenso metade de minha vida e de meus momentos mais recentes.
O começo do momento crepuscular está exatamente de frente para mim, mas meus olhos semiabertos enxergam algo que está bem além daquilo e que se espalha muito além das cordilheiras dos níveis mais altos do oceano. Meu olhar se perde nos fios de memória que estão sendo tecidos em minha mente. Pisco algumas vezes. Respiro. Espero.
E nesta meditação me encontro pensando em coisas que jamais aconteceram, mas que são minhas mais preciosas memórias. O primeiro beijo com meu antigo amor que jamais aconteceu, nosso casal de filhos que jamais nasceram, nosso casamento que nunca se concretizou, nossos anos de namoro que nunca existiram. Me recordo do meu primeiro passeio montado num dragão, do meu primeiro voo conduzido por fortes ventanias e pelas infindáveis batalhas que duelei para defender o castelo. Memória de sonhos. Sonhos de vidas passadas? Devaneios.
Sorrio pra mim mesmo contemplando minhas loucuras. Sacudo a cabeça, meneando-a pro lado. Pisco um par de vezes e começo a me recordar de coisas reais. E sou invadido por uma felicidade sem precedentes. O meu primeiro beijo real, a sensação do primeiro estalar de lábios, a sensação do contato com o outro corpo e o susto e emoção momentâneas que vieram tão absurdamente recheados de euforia e confusão. Lembro-me, então, do meu primeiro dia no haras, da primeira vez que cavalguei aquela égua negra gigantesca que tanto me encantava, na sensação do vento nos meus cabelos soltos e no cheiro da grama molhada invadindo minhas narinas enquanto galopava pela colina verde do sítio. E me recordo das tardes agradáveis e barulhentas que tive com amigos ao redor de uma mesa, alguns papéis, infinitos dados, lápis, borrachas e livros com figuras e cálculos e histórias fantasiosas.
Me pego, enfim, pensando em quanto tive sorte nessa vida. Em como tantos outros não foram agraciados com a facilidade de se ter um coração bom, uma família sólida e amigos verdadeiros. Começo então a filosofar com coisas mais profundas, com coisas mais minhas e somente minhas. Como as coisas podem ser tão diferentes de pessoa pra pessoa? Como podem existir um sem números de universos diferentes em um único mundo? Como é discrepante a diferença e distância entre as pessoas, entre os mundos, entre os “universos particulares” e suas particularidades! Uns com tanto e outros com tão pouco e uns com tanto mas com nada ao mesmo tempo e outros com tão pouco mas com muito e com o suficiente. Um número absurdamente grande e infinito e perspectivas em uma única cena. Essa vida é muito estranha.
Chego então num canto estranho da minha mente. E encontro uma questão que até então perdido em meios aos meus botões e borbotões, sequer havia pensado: quantos corações eu despedacei e quantos despedaçaram o meu? Será que eu fui a paixão escondida e secreta de alguém? Será que alguém já me amou em segredo? Me amou tanto a ponto de sentir-se sufocado, de chorar a noite pensando no possível amor impossível? E será que eu não reparei sequer uma vez no olhar brilhante e na presença arrebatadora de tal ser? Como se sentiu a primeira garota que entregou seu coração em forma de bilhete quando eu, sem saber o que sentia ou como reagir, devolvi com pesar o cartão pedindo desculpas por não corresponder? Como ficou esse pobre coração?
Matuto então em quantas vezes eu entreguei secretamente meu coração, em quantas vezes amei escondido e em quantas vezes segreguei tal sentimento dentro de mim. Penso nas noites que passei em claro apenas admirando uma foto, em quantas manhãs acordei sorrindo somente por ter sonhado algo bom com o alvo de minha paixonite secreta e em quantos pedaços meu coração se desfez cada vez que via que seria algo impossível sem saber que poderia ser possível. Quantas pessoas foram? Me recordo de cada nome, de cada rosto, de cada cheiro. Foram poucas as quais me entreguei inteiro, que entreguei verdadeiramente meu coração. Uma, em especial. E como quis me entregar de novo pra outra pessoa e fui largado pra trás como uma marionete velha e sem cordas.
Mas, será que alguma vez eu fiz algo parecido com outra pessoa? Será que eu fui alvo de ódio, da raiva, das lágrimas de alguém? Penso nisso e isso me assusta. Ser um dos seres que tanto xinguei e que incessantemente chorei durante as noites entregue aos fios prateados das lágrimas parece-me completamente angustiante e desesperador.
E começo numa linha que termina num círculo, obviamente, sem fim. Quantas vezes fui enxergado como um amigo falso, como um alguém ausente, injusto, grosseiro, mau, cruel ou alguém a ser odiado? Será que alguém já falou de como eu sou hipócrita, duas caras, detestável, nojento ou falou mal do mim? E será que alguém já falou que secretamente me amava, que eu fui um bom amigo, alguém que tenha me defendido e eu jamais fiquei sabendo? Será que alguém já me descreveu como alguém que jamais desferiu uma palavra de pouco afeto a alguém ou como um amigo maravilhoso ou uma ótima pessoa, uma pessoa iluminada ou me engrandeceu sem eu ao menos imaginar? Ou que já tenha falado coisas hediondas e completamente desagradáveis sobre mim?
Tantas dúvidas, tantos “se’s”, tantos caminhos que poderiam ser percorridos, tantas visões diferentes de um mesmo instante, de uma mesma pessoa, de um mesmo lugar. Como saber de tudo? Como sentir tudo, conhecer a todos, agradar a todos? “Impossível”, já penso de imediato.
Levanto o olhar e vejo o sol deixar a praia. A imensa bola alaranjada já está no fim. Seus raios já não tão quentes e de um alaranjado em degrade tão morno e distante já se esvai, dando lugar pra imensidão arroxeada e azul do início da noite, que chega com seu manto frio, abraçando a todos com seu hálito banhado em estrelas, como pequenas aranhas de luz pregadas no teto.
Me levanto, deixando a belíssima visão para trás. Um belo quadro, um esplendoroso espetáculo que ficou ofuscado pela enxurrada de memórias e perguntas. E, no final, quase nenhuma resposta. A única certeza que tive ao abandonar o banco de madeira para trás foi que, com certeza,  
a vida é muito mais do que a realidade.

quarta-feira, 27 de março de 2013

~ Despedida


Já começarei dizendo que o que quer que tenha acontecido comigo, não foi culpa de ninguém. A não ser, é claro, de mim mesmo. Era eu quem estava errado o tempo inteiro, era eu quem confundia, quem esperava demais e era eu quem fazia demais. Nenhum de você tem absolutamente nenhuma culpa do que aconteceu comigo. Queria poder me despedir de cada um de vocês, dar um abraço em cada um, beijar cada um e dizer a cada um que fiz o quanto pude e por quem consegui. Mas não teria forças para tal e nem queria me prender mais por aqui. Já passou da hora de eu me despedir disso tudo e deixar que todos continuem com suas vidas sem me ter como peso. Despeço-me de vocês com certa vergonha. Depois das duas linhas que há muito desenhei nos meus pulsos e da súbita mudança de planos que me manteve aqui, hoje me vou covardemente para o outro lado. Dessa vez não terão falhas ou mudanças bruscas de pensamento, não terão lembranças boas nem memórias que me darão força. Já esgotei toda a minha cota de autoajuda da qual eu dispunha. Usei cada fragmento de força que tinha, cada pedaço de chão e agora já não tenho mais nada. Passei grande parte da minha vida me escondendo das pessoas e sofrendo com o que elas me causaram, sempre pensando que nada daquilo mudaria. Depois que eu me modifiquei e consegui, finalmente, sair do meu refúgio de medos e de trevas, finalmente pude caminhar pela luz. Você pode ver, mamãe? Eu consegui fazer amigos. Eu que nunca os tive e que era facilmente descartado mesmo sem nunca ter dirigido a ninguém uma palavra de pouco afeto. Viu que eu, que antes era um completo rejeitado e motivo das mais diversas piadas e ofensas, consegui conquistar amigos? Eu consegui, mãe. Mesmo que por tão pouco tempo, mas eu os fiz, finalmente. Queria dizer ao meu pai que tanto batalhou por mim, que me defendia e que muitas vezes não nos entendíamos, que eu fiz o que ele sempre me dizia. Você viu, papai? Viu como eu me levantei e encarei as pessoas? Viu como eu me tornei mais forte e cada dia mais corajoso? Eu consegui, pai. Consegui  me por de pé e caminhar, mesmo ferido. Queria dizer aos meus irmãos que eles foram minha força e minha alegria por muito tempo. Puderam notar o quanto eu cresci? Que eu já não ficava tanto de cabeça baixa? Queria deixar as lembranças que cultivei e minhas vitórias (repararam o quanto eu deixei de chorar?) para minha família. Queria que vocês pudessem se lembrar de mim como eu fui e não do que me tornei nesse fim de caminho. Queria que lembrassem de mim como o irmão mais forte e mais frágil, como o que sempre sorria e sabia ouvir, e como o que não tinha medo das mudanças e parecia ser sempre tão seguro. Transmitam essa mensagem, se puderem, aos meus amigos. Digam a eles que eu os amei e que me desculpassem por não ter me despedido apropriadamente. Saibam, também, que eu finalmente encontrei alguém para amar. Encontrei pessoas que eu pude, finalmente, amar (mesmo que eu, talvez, não saiba bem o significado real dessa palavra nem mesmo se foi isso que eu realmente senti). Foi por esse amor que eu removi minha armadura e fragilizei minha concha já tão endurecida. Mas, mesmo assim, creio que valeu a pena ter saído da minha concha e ter me arriscado no mundo lá fora. Ainda acho que, mesmo voltando para a mesma concha retorcida e fria com os mesmos machucados de sempre, os raios de sol que colhi enquanto estive lá fora valeram um pouco a pena. Foram esses raios de sol que me aqueceram durante os frios invernos que açoitavam meu coração e iluminaram com sua luz fraca os momentos de completa escuridão que eu vomitava. Peço perdão pelos meus erros e pelas minhas tantas falhas, mas eu tentei de verdade. Tentei ser o melhor que poderia ser até o final. Tentei não ser tragado pela tempestade dos outros, tentando trazê-los para minha calmaria, mas uma hora ou outra eu sabia que minhas raízes não seriam fortes o suficiente para me manter grudado ao chão e eu seria puxado para dentro daquele turbilhão mais uma vez. Desejo que vocês possam ser mais fortes do que eu consegui ser. Que consigam realizar cada um dos seus desejos  que nunca, nunca mesmo deixem de sonhar, de imaginar, de acreditar. Eu vivi um mundo de sonhos e uma realidade de pesadelos, mas ela não precisa ser a mesma realidade de vocês. Fiquem fortes e continuem sendo vocês mesmos, mesmo que isso incomode alguém. Agora já me vou. Só, por favor, não me odeiem depois de terem encontrado essa carta. Eu já não podia sofrer mais do que já estava sofrendo. Me perdoem. E fiquem bem.
~A.L.S.

sábado, 23 de março de 2013

~ Inocência


Snydersville era uma aldeiazinha simples no interior da Pensilvânia. Não tinha muita coisa para se fazer, mas todos os habitantes se conheciam e se ajudavam como podiam com seus trabalhos e habilidades. O maior evento da cidade era um concurso de tortas que acontecia em março para marcar o início da primavera e reunia toda a cidade. Fora isso, somente as conversas na porta de casa, os encontros no único bar e os frutos do bom e honesto trabalho da cidade.
Maggie era uma garotinha miúda que morava no número 13 da James Street de Snydersville. Maggie tinha 8 anos recém comemorados, era baixa, branca feito uma boneca de porcelana. Os cabelos dourados estavam sempre caídos nas costas, com uma fitinha de cetim vermelha amarrada num laço sobre a cabeça. Tinha olhos grandes e verdes e algumas sardinhas tímidas pintavam o entorno do pequeno nariz da menina.
O número 13 da James Street era ocupado por uma casa de dois andares, feita de madeira e construída pelo bisavô de Maggie. A casa era pintada de um creme claro, com janelas grandes e azuis. A varanda tinha uma cobertura de um marrom forte e robusto e era enfeitada por duas grandes e confortáveis poltronas, dispostas em cada um dos lados de um sofá branco com almofadas coloridas. A propriedade tinha um jardim modesto, com algumas rosas e um pessegueiro plantado entre as margaridas na parte da frente, bem debaixo da janela do quarto de uma garotinha de fita no cabelo. Era uma boa casa com bons habitantes. A família de Maggie era composta pela mãe, Janne, que era costureira e uma versão envelhecida e sorridente da filha; pelo pai, Thomas, um mecânico gorducho e risonho e pelos irmãos gêmeos, Timmy e Dimmy, com seus 13 anos e suas travessuras de moleque. Uma boa família.
O calendário vermelho em cima do fogão da cozinha simples e bem arrumada marcava 25 de julho. Era verão e o vento morno que passava entre as casas e varria as ruas com seu hálito quente bagunçava os cabelos cor de sol de Maggie. A garotinha estava sentada no balanço da praça central da cidade, protegida pela sombra de um poderoso carvalho e balançava pra frente e pra trás sacudindo, alegre, os sapatinhos roxos encaixados em seus pés. Gostava de colocar a cabeça pra trás enquanto balançava, imaginando que estava voando e era um passarinho, livre pelos céus, amiga do ar e íntima das nuvens. Seus irmãos estavam brincando com os amigos em um casarão abandonado, inventando poderes e lutas contra vilões e suas máscaras de pano. Uma tarde agradável ao ar livre, uma sexta-feira pela metade e um sol forte e laranja borrando o céu com seus raios de luz. Um dia perfeito de verão.
Depois de muito brincar e correr com os amigos, Maggie ouviu a mãe chamando pra voltar para casa. Já eram 17h e era hora de tomar banho e se preparar para jantar. Despediu-se dos colegas e correu ofegante até o batente da porta, estalando um beijo suado no rosto animado da mãe, correndo em seguida em direção ao banheiro que já a aguardava com uma grande banheira repleta de espuma e água fria. O dia terminara com um jantar em família e uma torta de amoras de sobremesa servida com sorvete de baunilha. Maggie foi dormir cansada e feliz. A noite começara e em poucos minutos a casa estava afogada em um silêncio gostoso que se entrecortava com os roncos do pai e as respirações pesadas da família.
Os primeiros raios de sol invadiram o quarto de Maggie, passando sorrateiros pelas frestas das janelas e começando a preencher o ambiente com o calor acolhedor da manhã. A menina piscou algumas vezes, bocejando e espreguiçando-se. Lembrou que era manhã de sábado e pulou da cama, correndo animada para o banheiro para se lavar. Iria visitar a avó Samantha, em Phoenixville, e todos tomariam a famosa limonada da Dona Sam juntos no quintal da casa grande e colorida que Maggie tanto amava. Desceu a escadaria, já enfiada em um vestido amarelo de saia rodada, sem mangas e com algumas rendinhas brancas contornando a peça. Calçava um par de meias finas e brancas e os pés estavam escondidos em um sapatinho amarelo vivo. Os cabelos estavam como de costume: soltos em cascata pelas costas, com uma fitinha preta amarrada em laço encarapitada no topo da cabeça. A família já estava quase toda pronta, faltando apenas a mãe que estava calçando os sapatos de salto baixo. Os irmãos, igualmente animados, vestiam macacões jeans com uma camisa listrada por baixo e já corriam para o carro, seguidos por Maggie.
Partiram para a casa da avó no carro da família. Era uma viagem rápida, não mais que uma hora e eles chegariam bem antes do almoço. Foram animados, curtindo a brisa fresca e cantando animadas músicas do coral da igreja, com risadas e muitas palmas. Desembarcando na grande casa colorida com jardim florido, as crianças já correndo para os braços da avó, sendo imediatamente cobertas de beijos e abraços. Os pais desceram mais devagar e cumprimentaram a mulher com sorrisos e mais abraços. Samantha já tinha seus 75 anos e as rugas já emolduravam o rosto de sorrisos constantes. Estava trajando um vestido laranja florido e sapatos confortáveis e beges, com uma florzinha de crochê junto ao botão. Entrou na casa junto da família e pôs-se a conversar sobre a vida e perguntar dos netos.
Enquanto a avó conversava com os pais e terminava de preparar o almoço, as crianças corriam animadas pelos dois andares da espaçosa casa, hora se escondendo, hora procurando os escondidos. Almoçaram animados e risonhos, contando novidades para a avó e rindo das piadas do pai. O almoço poderia servir um batalhão da infantaria: travessas de purê de batata com molho, bolo de carne, dois tipos de arroz, vegetais no vapor, uma panela fumegante de feijão e um grande peru assado com laranjas e abacaxi. E ainda tiveram o famoso pudim com creme que Samantha fazia com grande maestria.
Depois de almoçarem, a família arrumou a mesa e ajudaram a lavar as louças. Samantha subiu com o casal para a sala do segundo andar para verem algumas fotos enquanto os gêmeos já estavam no quintal subindo na árvore e brincado de pirata. Maggie pediu dinheiro ao pai para ir até a venda da esquina comprar limões para fazerem a limonada que tomariam à tarde, sentados nas espreguiçadeiras que repousavam debaixo do flamboaiã do jardim. Correu porta afora, animada, segurando firme o dinheiro que seu pai lhe dera.
Maggie atravessou a rua deserta e começou sua caminhada pela calçada vazia até a quitanda da esquina. Vinte minutos eram mais que o suficiente para ir até a vendinha, comprar os limões e voltar para a avó. Pulou as linhas da calçada e saltitou para dentro da quitanda, pedindo os limões para o atendente bigodudo. A menina riu sozinha quando pensou o quanto ele parecia com a morsa que vira no filme que passou na TV durante a semana. Pegou o saco com as frutas esverdeadas e saiu da loja. Logo ao lado, crescendo pelas frestas da calçada, um ramo de flores silvestres enfeitava a rua. Seria ótimo poder presentear Samantha com elas. Resolveu colher algumas, escolhendo as cores que mais gostava. De repente tudo que sentiu foi uma mão grande e grosseira tapar sua boca.
Tudo fora muito rápido. Maggie estava abaixada com os cabelos caindo de lado, pegado algumas flores quando sentiu a mão tapar-lhe a boca e arrastá-la para os fundos da loja. Fora jogada sem muita delicadeza no chão frio e teve as pernas, que se sacudiam com a fúria e o desespero de uma garotinha, presas por fortes pernas grossas enfiadas em um jeans sujo e escuro. O vento soprava quente pela cidade soltando os dentes-de-leão pelo ar. Uma menina jogada no chão com um corpo truculento sobre o seu, o vestido sujo sendo levantado, a braguilha do jeans escuro sendo aberta e as lágrimas derramadas dos olhinhos abertos e amedrontados. Maggie sentia a mão áspera tapar-lhe a boca com os braços fortes a pressionar seus ombros delicados. Uma de suas mãozinhas finas apertava o braço do homem, enquanto a outra segurava com força o pacote com os limões. Sentiu algo duro e quente tocando a parte interna de suas coxas finas. A dor. A agonia. A dor. E então, tudo ficou escuro.
A menina abriu os olhos com dificuldade. Estranhamente estava com sono e as pálpebras pesavam. Não enxergou muito bem, apenas figuras e cores borradas. Mas podia ouvir os pais gritando seu nome, a mãe chorando alto e os soluços graves do pai. Não conseguia se mexer. Era estranho: o corpo pesava, as pernas doíam, as costas latejavam, a cabeça girava e os braços estavam doloridos. O homem de jeans escuro já havia partido muito antes da família chegar, levando consigo um rastro de fumaça que saia do cigarro que tragava e uma inocência roubada, fruto de seu último furto.
A ambulância chegou com suas sirenes estridentes e suas luzes giratórias. A menina foi levada para o hospital da cidade, junto com um casal de pais desesperados e chorosos. Na calçada aos fundos da vendinha, um saco plástico com limões estava esquecido, junto de uma fitinha preta e amarrotada. Ninguém tomou limonada naquela tarde...

~ Artemis, parte 2

                - Artemis. O que você vê?
                ...

                Um novo dia de treinamento começara. Victória estava no Campo 4 criando mais e mais coisas. A menina ia melhorando a olhos vistos e já conseguia criar, com exatidão, boa parte das coisas que os instrutores mandavam. Selena, a instrutora-geral, dizia que se Victória conseguisse controlar seus poderes ela seria de grande valia e teria um poder incrível nas mãos. Caleb treinava no Campo 7, onde era colocado novamente sob a mira de uma atiradora de bolinhas. O campo de força do garoto já estava mais forte e ele conseguia se proteger de todas as bolinhas de pano e de boa parte das bolinhas de plástico endurecido. Selena já estava preparando um novo treinamento para dar início assim que Caleb concluí-se aquele nível. Faria o garoto criar múltiplos escudos e depois fazê-lo criar campos de força à distância.
                Já tinha pouco mais de um ano que ambos estavam no "Santuário" e suas habilidades já estavam muito mais maduras e disciplinadas. Encontravam-se todos os dias antes dos treinamentos e na hora dos intervalos. Artemis era a que eles menos viam. Cada dia e cada semana eram diferentes: tinham vezes que a menina participava dos intervalos junto com eles, outros ela não era vista o dia inteiro, outros era dividido e ela aparecia em alguns intervalos e em outros dias apenas na hora do almoço. Tinham casos em que ela ficava até 2 ou 3 semanas sem ser vista. Mas quando aparecia, sempre estampando a mesma cara cansada e as olheiras profundas, dizia aos companheiros que estava em um novo treinamento e por isso andava sem tempo para fazer os intervalos conjuntos e sorria meio abatida.
                No ano anterior Artemis explodiu um dos complexos de teste. Ninguém sabia o porquê nem o que realmente acontecera, apenas boatos ("A bruxa tentou escapar!" ou "Ela perdeu o controle com um dos feitiços" ou ainda "Os instrutores tiveram que salvá-la de um incêndio que ela mesma provocou!"). Mas ninguém comentava absolutamente nada quando a garota se juntava aos demais. Mas ela sabia que cochichavam a seu respeito e não dava muita importância praquilo. Ela sabia a verdade. Sabia que havia sido levada ao extremo durante o treinamento. E não podia acreditar que eles tinham usado Gabrielle pra isso.
                Gabrielle era a meio-irmã de Artemis. Se conheceram quando tinham 5 anos e viveram juntas desde então. Ambas eram "Abençoadas" e entraram juntas no "Santuário": Gabrielle tinha o poder de curar as pessoas com apenas um toque. Bastava que ela encostasse as mãos no corpo da pessoa para que o ferimento se curasse por completo. Demorava um pouco, mas ela sempre conseguia. Ela tinha um dom incrível e Artemis a amava. Ela era um pouco mais baixa que a irmã mais velha, a pele era mais clara e os cabelos curtos e eriçados, que a menina insistia em metê-los embaixo de uma boina, chapéu, touca ou tiara. Os olhos eram pequenos e castanhos bem escuros, escondidos atrás das lentes transparentes dos seus óculos.
                As meio-irmãs foram enviadas ao "Santuário" quando ainda tinham 9 anos. Dormiam no mesmo quarto, treinavam juntas e passavam cada segundo de cada dia juntas. Os treinamentos começaram bem devagar: Gabrielle tinha de curar pequenos cortes feitos nos instrutores e Artemis precisava voar por entre arcos e obstáculos no teto das salas de treinamento. Intensificaram os treinos a cada mês. Depois de um ano Gabrielle já conseguia curar feridas maiores sem muito esforço, algumas doenças e já começava a ter algum sucesso em regenerar partes do corpo, enquanto Artemis já poderia criar e destruir praticamente tudo, já voava com perfeição e suas previsões estavam mais certeiras.
                Tudo estava indo bem. Bom, pelo menos estavam vivas e eram bem tratadas. Mas as duas viviam cansadas e dormiam antes mesmo de deitarem a cabeça no travesseiro. Acordavam cedo e dormiam tarde. Tinham mais treinamentos que os demais e eram pressionadas a fazer muito mais do que fizeram no dia anterior. E quando completaram 2 anos de "Santuário" é que as coisas ficaram piores. Com o avanço estupendo das meio-irmãs, os instrutores passaram a intensificar cada vez mais rápido os treinamentos e os testes. Ambas já dominavam quase que por completo os poderes. Em um dos testes, as garotas foram colocadas em uma sala dividida ao meio por um grosso vidro transparente, cada uma em um lado. O teste consistia em Gabrielle ser ferida e ter de se curar sem se tocar, enquanto Artemis assistia tudo enquanto lutava com os robôs e instrutores. A cada 5 minutos a força de cada lado era aumentada, chegando ao ponto de Gabrielle ter pequenas partes do corpo arrancadas e Artemis ter de prever cada movimento dos adversários para conseguir escapar dos múltiplos ataques e atacar de volta.
                Artemis caiu com o ataque de um robô que veio do teto. A previsão chegara devagar demais. Enquanto isso Gabrielle era surrada e cortada de diversas formas, regenerando cada pedaço e corte q era feito, mas mais devagar que antes. Ambas suavam frio e tinham os corpos cansados e doloridos. De repente os ataques pararam. Ambas ficaram no chão, arfando cansadas. Gabrielle tentava curar um corte profundo no braço esquerdo e Artemis tentava se levantar. Uma voz ecoou pelo local, grave e profunda:
-Muito bom, meninas. Agora vamos ver o que vocês podem fazer quando há mais coisas a serem arriscadas._Mãos metálicas surgiram da parede e agarraram os braços e pernas da mais nova. -Artemis, sua missão é salvar Gabrielle. Se você demorar demais, os membros da sua irmã serão arrancados. Vamos começar?
                Gabrielle estava presa pelas garras de metal, cansada e ofegante. Mal conseguira curar o último corte. Olhava para a irmã através do vidro grosso que as separava e sorriu apática. Artemis se levantou com dificuldade. Fechou momentaneamente os olhos enquanto os cabelos eram levantados por uma leve brisa. Concentrou-se ao máximo. Quando gesticulou os dedos em direção à parede, sirenes muito agudas foram acionadas, emitindo gritos e ruídos altos. Jatos de luz, clara e forte, foram jogados em direções caóticas e giravam sem sentido pela sala. Artemis caiu de joelhos tapando os ouvidos e gritando. Não conseguia se concentrar e sua cabeça doía numa agonia profunda. Olhou para a irmã que também gritava de dor, enquanto seus membros eram apertados e esticados pelas garras de metal. Artemis via a meio-irmã se esforçando para que as feridas provocadas pelas mãos metálicas se curassem, mas o resultado era quase nulo. Tentou mais uma vez se levantar e estourar o vidro, mas o símbolo dourado que saiu de seus dedos trêmulos conseguiu apenas trincar a parede.
                Aquilo durou apenas 2 segundos, mas Artemis sentiu como se tivesse demorado horas, talvez dias: a perna direita de sua irmã havia sido arrancada do corpo, enquanto rios de sangue brotavam da ferida aberta e a garota se contorcia de dor num grito alto e agudo, tendo o rosto encharcado de sangue e lágrimas. Um brilho vermelho.  Tudo ficou escuro de repente.
                Artemis acordou caída no chão frio da sala que estava destruída e chamuscada, com marcas negras onde chamas haviam passado percorrendo todo o ambiente. As pontas dos dedos estavam igualmente queimadas e a cabeça doía e pesava como nunca. Não havia mais teto no lugar e o vidro grosso e forte jazia em cacos pela sala. O lugar onde Gabrielle tinha ficado cativa das mãos metálicas estava vazio e algumas manchas de sangue seco eram a única coisa que restara da garota. Um homem em roupa militar e coturnos muito limpos se aproximou de Artemis, olhando com desdém para a garota.
-Isso é o que acontece quando não se consegue controlar as próprias habilidades. Graças a sua fraqueza e descuido, Gabriele está morta. E não fomos nós que a matamos. Seu rompante de fúria explodiu e dizimou tudo que havia nesta sala. Incluindo sua irmã. O que você fez, Artemis? Tudo isso é culpa sua!
                Não podia acreditar naquelas palavras. Gabrielle estava morta? E ela tinha sido a culpada? Não, não podia ser verdade. Artemis chorava baixo, meneando negativamente a cabeça e murmurando “Não.. não... não...”, os olhos estatelados como uma louca agourenta, os cabelos bagunçados, as lágrimas correndo livres pelo rosto. Cada parte do seu corpo tremia. Nada em sua mente fazia sentido e um profundo e desesperador vazio inundava seu ser. Artemis nunca mais foi a mesma depois desse dia. Sonhos, pensamentos perturbados, um constante vazio, uma constante solidão, um profundo desespero. E, por menos que ela soubesse, mais poderosa. Mas continuava ali, treinando e enfrentando os testes, imaginando se um dia conseguiria domar seus poderes com perfeição e conseguir, de alguma maneira, trazer Gabrielle de volta a vida.
                Artemis sacudiu a cabeça, eliminando as memórias do passado de sua mente. Estava saindo da sala de testes. Voltou ao presente, depois de ser inundada pelas memórias sofridas. Continuou caminhando para fora do complexo. Suas roupas ainda eram as mesmas: uma camisa de força branca com diversas fivelas e correias pretas que ficavam soltas a maior parte do tempo arrastando as mangas compridas até quase tocar o chão, uma calça igualmente branca e sapatos fechados. Atravessou as sólidas portas de metal e saiu para o pátio banhado de sol. Percorreu os olhos pelo local e encontrou a dupla que buscava: Caleb e Victória estavam sentados debaixo da mesma árvore de sempre. Rompeu a distância entre eles, se juntado aos amigos para rir um pouco e conversar. O restante do dia passou calmo e sereno. Artemis ganhava um pouco mais de força sempre que via os únicos amigos daquele “Santuário”. Ter esses breves momentos de normalidade em sua vida e mente caóticas eram seu céu, seu paraíso, sua recompensa. Não podia desistir. Em algum lugar, Gabrielle esperava para ser trazida de volta.


~ Continua

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