terça-feira, 22 de janeiro de 2013

~ Artemis, parte 1

                - Artemis. O que você vê?
...
                O mundo estava entregue a guerra e a revolução. Levantes começavam aqui e ali, bombas explodiam e esburacavam a terra, o som das batalhas perfuravam os ouvidos a cada dia sem descanso. Desde que os "Abençoados" foram revelados e tiveram seus poderes e dons expostos, a Terra nunca mais foi a mesma. A batalha por divisão de territórios e pela supremacia de poder começou serena, mas logo se alastrou como praga. E tudo mudou.
                Era 13 de Agosto de 2353. Um menino apareceu na televisão dizendo que podia fazer coisas incríveis. E realmente conseguia. Todos puderam ver nos seus televisores, celulares e outros meios de mídia o jovem planar a alguns poucos metros do chão e depois alçar um vôo cortante e rápido. Ele foi o primeiro de muitos. Depois da primeira exposição, mais e mais pessoas com poderes fantásticos começaram a surgir; alguns por vontade própria, outros expostos por amigos, parentes e vizinhos. Parecia ser tudo maravilhoso. A criminalidade havia caído vertiginosamente, doenças eram curadas pelos que tinham esse dom, desastres eram evitados. Ia tudo muito bem. Até aparecer alguém que resolveu usar um "Abençoado" como poder bélico. "Por que não?"_diziam eles. "Serão nossa melhor defesa!"
                De repente, mais e mais "Abençoados" eram levados a campos de treinamento em todo o mundo. Laser dos olhos, fazer flores e árvores brotarem do nada, bolhas e faíscas saltando de dedos, fogo das mãos, campos de força, força descomunal, poderes espantosos. E depois de um tempo, já não havia mais volta. Em 2398 a I Grande Guerra explodiu entre os continentes. Praticamente todos os países estavam no meio e queriam tomar a supremacia, usando os "Abençoados", que antes ajudavam as pessoas comuns, como armas e aumentando seu poder bélico. A Terra ficou em chamas em menos de 20 anos.
                05 de Abril de 2369. Os campos de treinamento, ou "Santuários" como eram chamados, já abarrotavam o globo. Cada vez mais "Abençoados" eram trazidos para os pátios cercados de muros altos de pedra e vigilantes encarapitados nas torres. Naquele dia, duas novas aquisições adentravam os grossos portões de ferro: Caleb, de 13 anos, que diziam poder projetar um campo de força, e Victória, de 11 anos, que podia dar vida aos seus "amigos imaginários". Um grito de agonia ecoou de uma das celas no interior do complexo de pesquisa assustando os novatos.
                Caleb era magro, a pele muito branca e os cabelos vermelhos num corte alinhado. Entrou cabisbaixo e receoso, andando apressado mas com passos curtos, levantando o coturno no caminho poeirento. Era um menino desconfiado e levemente inseguro. Havia descoberto seus poderes quando alguns garotos implicaram com ele. Juntou as pernas e colocou os braços protegendo a cabeça dos chutes. De repente tudo parou, não sentia mais os chutes ou os socos. Abriu devagar os olhos e mal pode acreditar: um escudo feito de nada se projetava ao seu redor. As crianças caídas de lado olhavam assustadas para o menino, enquanto oficiais da guarda vinham em sua direção. Três dias depois estava sendo enviado para o "Santuário".
                Victória era uma menina baixinha de cabelos negros e dedos ágeis que praticamente não saía de casa. Vivia desenhando e inventando mundos paralelos. Tinha alguns amigos no colégio, mas nada se comparava com as criaturas fantasiosas que habitavam sua mente e faziam às vezes de melhores amigos. Qual não foi o espanto de seus pais quando, de repente, os "amiguinhos" da filha começaram a aparecer pela casa. Primeiro foi uma mistura de pato com rinoceronte feito de pelúcia andando na pia da cozinha. Depois, pássaros de papel cor-de-rosa voando pelo teto e robozinhos azuis perambulando pelo carpete da sala. Não tardou para que uma vizinha contasse para um oficial que vira a menina brincar no quintal de casa com um mestiço azulado de ouriço com lula do mar, tomado chá em cadeirinhas de plástico. Dois dias depois já estava adentrando os portões do "Santuário" com seu ornitorrinco de pelúcia a tira colo.
                Fora colocados em celas vizinhas, de 2 metros quadrados e cobertas de uma cor cinza e sem graça. Um beliche ornamentava o lugar ao lado de uma pia simples embaixo de uma janela gradeada. Victória iria dividir a cela com Daniela, uma menina gorda que fazia o ar vibrar ao bater palmas, enquanto Caleb dividiria com Júlio, um menino risonho que podia copiar as coisas que tocava. Nas celas do lado viviam crianças, jovens e adolescentes que podiam fazer de tudo; desde soltar fogo pelos dedos até se multiplicar ou ficar invisível. Olharam a lista de atividades na parede. Teriam café da manhã às 7h, treino às 8h, almoço às 12h, 1h de turno livre, mais treino às 14h, jantar às 20h, toque de recolher às 21:30h.
                Victória escutou um lamento baixo ouvido da cela em frente. Era a única que não tinha uma porta de grade. No lugar havia uma porta grossa e branca, com uma janelinha de vidro sem aberturas. Caleb subiu na ponta dos dedos para espiar e viu uma garota de cabelos compridos e bagunçados ajoelhada no canto de um quarto acolchoado imensamente branco. A garota tampava o rosto com os braços envoltos numa camisa que tinha as mangas demasiadamente grandes e desproporcionais. A menina chorava baixinho, balançando o corpo pra frente e pra trás.
-O que tem aí dentro?_perguntou Victória.
-Uma menina. E parece que ela não está muito bem._Caleb olhava triste para a garotinha do lado de fora da cela.
-Oh. Oi, sou Victória! E você?
-Caleb. Você veio junto comigo, né?! Muito prazer. _ Estendeu a mão para a menininha, que correspondeu o cumprimento com um sorriso doce.
                O dia já havia raiado. Tomaram café da manhã e foram direcionados aos treinos. Caleb era forçado a criar campos de força para impedir de ser atingido por bolas de borracha macia. Conseguiu fazer acontecer umas 2 ou 3 vezes entre as 76 tentativas. Victória tentava criar as coisas que os treinadores mostravam, mas misturava alhos e bugalhos e criava nada com nada (saiu um macaco com cara de tucano quando tentou criar uma faca). Terminaram o almoço esgotados e foram levados ao pátio para a hora livre. Sentaram na sombra de uma árvore, tentando descansar até o próximo treino quando Caleb cutucou Victória. A menina da cela em frete andava lenta e cabisbaixa pelo pátio. As longas mangas brancas da camisa arrastando pelo chão. O cabelo repicado balançava com o vento, revelando olhos cansados e com olheiras profundas. Era alta, não devia ter mais que 12 anos, os olhos e cabelos castanho-avermelhados, a pele morena. Olhou de canto de olho para a dupla que a encarava e continuou caminhando vagarosamente em direção ao nada. Sentiu um puxão na manga da camisa e olhou cansada na direção de uma Victória segurando, sorridente, sua blusa.
-Oi, sou a Victória e eu moro na frente do seu quarto. Quem é você?
-Victória, não seja intrometida._Caleb vinha puxando a garotinha. -Me desculpe o incomodo.
-...... Não foi um incomodo. Muito prazer Victória, sou Artemis. _Sua voz estava cansada e era cambaleante, variando entre o fino e o grosso muitas vezes. -E você seria o garoto que ficou me espiando ontem....
Caleb corou de leve, coçando a nuca se graça. _Me..me desculpe... pensei ter ouvido você chorar...errrm... não te vi no treino da manhã....
-Eu quase nunca treino com os outros. .....Eles dizem que eu sou "instável" e tenho de treinar sozinha...
-O que você consegue fazer? Eu posso fazer bichinhos e coisas malucas só de pensar!
-Que legal.... eu... eu "altero e manipulo as probabilidades e posso ver além do amanhã!" Pelo menos é o que eles me falam....
-Uaaaaaauuu!_Victória não sabia muito bem o que era aquilo, mas pra ela pareceu ser uma coisa legal.-O Caleb faz escudinho de ar!
-Não é um "escudinho de ar"! Eu faço campos de força!
-Deu no mesmo!_disse uma Artemis risonha. -Haahahahaha...me desculpe....
                Passaram a hora livre juntos, rindo de algumas coisas, conversando, contado sobre a vida que tinham fora do "Santuário" até o sinal de aviso soar levando todos para o treino da tarde. Artemis foi guiada por dois guardas até uma ala interna, enquanto o restante dos "Abençoados" era levado para o pátio de treinamento. A garota acenou e deu um sorriso tímido para os novos companheiros e rumou para sua imensidão branca.
-Ei, Caleb... toma cuidado com essa menina. Me disseram que ela é perigosa e estranha. Que ela é tipo uma bruxa, que pode fazer coisas terríveis e até destruir o mundo!
-Júlio... não é possível que aquela maltrapilha conseguiria destruir o mundo. Devem estar exagerando só porque ela é diferente.
                No complexo de pesquisa, Artemis fora colocada no centro de uma sala muito grande e extremamente iluminada e branca. Uma voz sem boca ecoou pelo recinto:
-Está preparada? Ao meu sinal... em 3, 2, 1.... COMECEM!
                De repente, ao mero sinal da voz, comportas abriram-se nos quatro cantos da sala revelando robôs armados que avançavam ruidosos para a menina no centro da sala. Artemis nem ao menos piscou. Pulou para o alto, o cabelo esvoaçando junto as roupas enquanto gesticulava os dedos de forma rápida. De imediato, formas coloridas saíram da mão da garota e percorreram o ambiente cortando e explodindo as máquinas. Pairou no ar como se fosse bolha de sabão, os dedos retesados, os olhos escancarados emitindo um brilho roxo. Mais robôs apareceram do chão, paredes e teto atacando a menina. Apontou os dedos para algumas máquinas e as mesmas transformaram-se em borboletas pretas, levitado pelo ar de forma inofensiva. Levantou os braços de forma rápida, fazendo com que aparecesse do chão inúmeras estalagmites de gelo e pedra, perfurando as máquinas restantes. Pousou pesada entre as formações rochosas. Piscou um par de vezes. Olhos castanhos.
-Parece que tem conseguido administrar bem os seus dons, minha cara Artemis. _ A voz sem boca voltou a falar. - Vamos testar a segunda parte do treino. Refaça a sala!
                Artemis levitou pelo ambiente, sacudindo as mãos, fazendo a sala voltar ao que era no começo do teste. Antes de tocar o chão imaculado, um zumbido alto e irritante preencheu o ar fazendo a menina tapar os ouvidos com força e bater com o corpo n chão, gritando de dor e agonia. Risadas ecoavam no meio do zumbido ensurdecedor e a sala parecia girar. Os robôs voltaram a sair dos cantos da sala, investindo contra a garota que quicou pela sala no impacto com o primeiro deles. Jatos de água gelado eram atirados na jovem, mãos metálicas surravam o corpo inerte como se ela fosse uma boneca de pano.
-Vamos Artemis. Não quer terminar como Gabrielle, não é mesmo?
                Ao simples mencionar desse nome, os olhos da menina estatelaram num brilho vermelho, o corpo levantado, as mãos gesticulando rápido e os robôs pifando e derretendo. Caminhou devagar na direção de uma das paredes, fazendo o restante da sala explodir. Seus olhos eram pura vingança e ódio. O teto do complexo explodiu escandaloso, os ventos dançavam furiosos pela abertura formando um redemoinho de poeira e fumaça. O corpo caiu quando foi atingido por 7 dardos tranquilizantes vindo dos snipers de plantão. O complexo já estava sedo reerguido por 3 "Abençoados" antes mesmo da menina ser retirada em direção a ala hospitalar.

~ Continua

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

~ Cora, parte 2


                Uma segunda-feira cansada acabara de começar. Seus pais saíram de casa para trabalhar enquanto a garota ficou sentada no sofá vendo TV. Estar de férias era a maior das maiores maravilhas para ela. Não precisaria acordar cedo, usar o uniforme cinza e fora de moda, estudar aritmética ou dar um tedioso “bom dia” para a menina que ela odiava em quase-segredo. Mas lá estava ela, 7h da manhã, acordada, com sono, cansada, com raiva.
                Seus pais fizeram milhares de recomendações antes de saírem. Para que ele descansasse, que tentasse dormir, que tentasse esquecer os pesadelos, comesse no horário e tentasse fazer alguma coisa divertida para evitar pensar no que aconteceu na noite anterior. Ela concordava com tudo, tentando sorrir o máximo que podia para não preocupar os pais. Mas ela sabia que não iria conseguir esquecer o que tinha acontecido.
                Terminou o cereal enquanto assistia alguma coisa na TV que ela não estava prestando atenção, subiu, escovou os dentes e admirou a cara abatida e cansada, as olheiras pesadas de sono, os cantos dos olhos avermelhados, o cabelo bagunçado. Olhou desejosa pra cama. Andou dois passos em direção a ela e parou. Os olhos arregalados. Um flash da noite anterior. Um corpo travado. Desistiu de deitar. Desceu as escadas, passou pela cozinha, pegou um copo d’água e sentou na cadeira fofa da varanda. Um veto tímido passava pelo quintal verde. Bebericou a água, colocou o copo na mesinha. Piscou. O sono não teve clemência da garota e levou-a para dormir. A cabeça cansada e o corpo fatigado dormiram agradecidos pelos primeiros 20 minutos. E os sonhos começaram.
                No sonho, a menina voava por um céu cor de rosa com nuvens claras. Bolinhos recheados planavam acima de uma floresta de cogumelos. O sol estava quentinho e gostoso. E, na sua frente, uma manchinha preta se aproximava e crescia. Apertou os olhos para ver melhor e viu uma boca. A mesma boca que ela conhecia em todas as noites escarnava um sorriso doentio. E o céu tempestuou, os bolinhos sumiram e o sol se foi. Tudo era trevas, era frio, eram raios e trovões e barulhos macabros. A boca sem corpo ria amaldiçoada enquanto a menina despencava do céu negro e mergulhava sem controle numa floresta de braços negros com unhas compridas e afiadas. Acordou um segundo antes da primeira mão agarrar seu pescoço; arfando, os olhos arregalados, a testa suada, o coração acelerado. Chorou baixinho, praguejando pela maldição que tinha na sua vida. Uma eterna acordada.
                A cabeça doía, mas não podia se render ao sono. Não poderia suportar ver aquela boca novamente. Tomou um banho demorado, gelado para terminar de acordar o corpo. A água fria escorria pelos cabelos, os pelos da nuca arrepiados, o furor momentâneo da mudança brusca de temperatura. Shampoo, sabonete, bucha,quatro mãos. Saltou depressa pro canto do box ao ver as mãos negras emergirem da água empoçada no chão e já não estava mais lá. Estava sozinha agachada no chão ouvindo o murmúrio das gotas vindas do chuveiro.
                Estava louca. Só podia. Ou estava ficando. Não podia dormir e agora começava a ver o sonho enquanto estava acordada. Vestiu depressa a calça e o moletom roxo, calçou os tênis e correu pro andar de baixo. Saiu de casa. andar pelo parque ou pelo shopping seria mais seguro do que ficar em casa sozinha e enlouquecida.
"Cora...." um sussurro ao longe. Virou-se para procurar quem era. A rua estava vazia, apenas com folhas secas desfilando graciosas em suas vestes alaranjadas pelo passeio. "Cora..." Mais um silvo. "CORA!" Agora mais perto, mas ainda assim um sussurro. Sacudiu a cabeça e deixou a voz sem boca para trás e foi em direção ao shopping. Fones de ouvido, música alta, "She bop" tocando, óculos escuros. "Cora..."
                Chegou ao shopping sem maiores problemas. Nenhuma voz, nenhum chamado, nenhuma mão. Percorreu lentamente os corredores do primeiro piso olhando as vitrines coloridas. Roupas, vestidos, bolsas, sapatos, livros, brinquedos, guloseimas. Rendeu-se a um bom-bocado com suco de frutas e saiu alegre com um milk-shake enorme nas mãos. Perambulou pelo segundo piso, mais cores, mais vitrines. Parou de frente a uma vitrine com vestidos pretos de festa, já imaginando se poderia usar algo mais ousado para a festa de aniversário. O vestido era decotado, batendo acima dos joelhos, com a saia ondulante. E o milk-shake caiu num baque surdo e molhado. O manequim branco sorria um riso desgrenhado e manchado de negro. Os dentes retos e disformes abertos como um cadáver maculado. a menina estava estática, as mãos e o corpo tremendo, cabelos eriçados. Fechou os olhos com força. Abriu de supetão e já não havia mais boca. Apenas a segurança gorducha do andar perguntando se ela estava bem.
                Voltou para casa. Novamente com os cabelos ao vento, fones de ouvido, música no volume máximo, "Price Tag" tocando, óculos escuros e um "Cora" baixinho ao fundo. Chegou em casa, trancou as portas e janelas, largou o corpo no sofá. O relógio da cozinha tiquetaqueava 12h. A testa levemente suada, a pele mais branca que o normal. A cabeça latejava, os olhos resistiam o máximo que podiam, mas era uma batalha já inútil. Dormiu.
Sonhou sonhos leves. Era uma princesa em uma torre encantada. O menino bonitinho da sua sala vinha em um cavalo branco resgatá-la. O vestido roxo escuro, uma fita preta no cabelo liso, um pedido de "Felizes para Sempre". Tudo perfeito. E de repente ela era uma bruxa poderosa e respeitada. Seu manto multicolorido percorrendo sua sala de feitiços. Seu unicórnio perolado cavalgado o quintal gigantesco. Magias, formas, encantos. Tudo perfeito. Tudo mudou de novo. Era Chapeuzinho Vermelho, sozinha na floresta encantada. Saltitou pelos campos floridos, pegou frutinhas para a vovó e o arbusto agarrou seu braço com uma mão fininha feita de galhos. Gritou e se debateu e caiu no chão. As conhecidas mãos negras corriam pelo chão formado de sombras, serpenteando em direção a garota. Ela tentou escapar, mas o máximo que corri não era suficiente. As mãos agarraram seu tornozelo com força e ela caiu com a cara numa poça de lama escura. A boca maldita e agourenta ria um riso diabólico acima dela, girando feito um carrossel de loucura. As mãos apertando cada vez mais forte e arrastando-a para um buraco de fogo. Acordou de supetão com a mãe chamando seu nome e sacudindo seu ombro de leve. Assustada, abraçou a mãe e chorou. Era o que podia fazer no momento, enquanto a mãe a acarinhava e dizia que aquilo tudo ia passar, que eram sonhos ruins e sonhos ruis sempre vão embora. Eram 19h.
                Levantou e acompanhou a mãe até a cozinha. Sua barriga roncara no colo da mãe e lembrou que não tinha comido muita coisa durante o dia. Lanchou com a mãe acompanhadas de grandes goladas de refrigerante. Coçou a perna e percebeu que tinha um inchaço leve. Olhou e viu, para seu horror, a forma de uma das mãos negras estampava seu tornozelo.
 ~ Continua

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

~ Lupina

                Acariciou minhas costas com a ponta dos dedos lascivos. As mãos rápidas e fortes percorreram a extensão do meu corpo semeando por ele uma plantação de arrepios infinitos. Meus lábios tremiam de leve, enquanto eu ofegava e era beijada. Os lábios de Marcos bebiam meu pescoço como se sua garganta pedisse por aquilo avidamente. Eu estava completamente em êxtase.
                Nossos corpos se misturavam e fundiam, enquanto braços apressados passavam de um para o outro e para o mesmo. Minhas unhas cravadas em suas costas quentes e largas, minha boca ofegava e minha garganta gemia languidamente, ao mesmo tempo em que as mãos ágeis de meu parceiro retiravam minha blusa e meu sutiã quase que ao mesmo tempo. Entreguei-me a um beijo forte e demorado, uma dança de línguas confusas, um hálito de desejo, enquanto meus dedos pediam pela abertura do cinto.
                Retirei o cinto e a fivela, abri o botão e a braguilha e enfim a calça. Marcos já estava com minha calça na metade das minhas pernas, enquanto esgueirava seus dedos pela micro-extensão de minha calcinha. Agarrei ao pedaço de carne que pulsava firme e duro dentro de sua cueca, enquanto beijava sua boca molhada que respirava com dificuldade um hálito morno. Suas mãos já estavam em minha cintura, me erguendo na parede. Segurei seu pescoço e nossas línguas já era uma só.
                Meu cabelo loiro pendia pelo meu rosto suado e se emaranhava pelo meu pescoço molhado, pela boca ávida, acortinavam meus olhos revirados e colavam no canto da boca aberta. Minha respiração ofegante e gemida, minha pulsação forte e descompassada, meu amante grande, forte e sedento. Um verdadeiro balé de desejos, carícias, volúpia. E mais um beijo sussurrado ao pé do ouvido e um gemido mais alto escapado pela minha garanta.
                Marcos me colocou com força no chão de madeira fria, seus lábios beijando cada parte que conseguia alcançar, descendo pelo meu abdômen, umbigo e tirando a calcinha úmida com os dentes. Meu corpo já não tinha controle. Pulsava, tremia e se contorcia enquanto recebia a carga intensa de prazer que a língua quente do meu homem trazia para minhas profundezas. Lançava minha cabeça para trás, gemia e levantava os quadris. Eu queria mais e mais e mais e mais e quanto podia receber e o máximo que poderia ter.
                Tornou a subir em uma peregrinação de beijos e lambidas, percorria as aureolas dos meus mamilos erguidos, chegando ao pescoço, ao queixo, a boca. Virei o jogo. Empurrei aquela montanha firme de músculos para o lado, me jogando em cima dele. Meus cabelos cascatearam para seu rosto, enquanto eu rasgava no canto da boca um sorriso safado. Segurei seus braços enquanto meus lábios descobriam o sabor de cada canto de pele e suor e músculos daquele corpo. Desci lentamente, lambendo languidamente o abdômen ofegante até chegar ao limite de sua cueca preta estufada que retirei com mãos rápidas e trêmulas. Já não havia espaço para timidez ou para ser recatada. Já estava possuída pelo espírito da prostituta que habitava minhas entranhas. Eu era uma loba. Não. Eu era uma puta.
                Abocanhei, sem demora, a sua extensão pulsante de carne ao mesmo tempo em que passava minhas longas unhas vermelhas pelo pedaço de corpo que podia atingir. Eu parecia uma criança mimada em uma loja de doces e pirulitos. Minha boca e língua se misturavam àquele membro rígido. Marcos gemia alto e se contorcia de prazer. Transamos loucamente e diversas vezes naquela noite. E quando o sol raiou, eu era uma Verônica suja e levemente arrependida. Minha cabeça deitada naquele peitoral firme subia e descia acompanhando a respiração do homem que dormia profundamente, mas não ousava erguer meus olhos azuis para olhar em seu rosto.
                Levantei felinamente da cama, me esgueirei para debaixo do chuveiro. A porta trancada, o corpo pesado, a água morna, as lágrimas salgadas. Sequei o corpo e o rosto enquanto a voz grossa e rouca de Marcos chamava pelo meu nome. Abracei-o novamente, sorri delicadamente, beijei suavemente. Despedimos-nos separadamente.
                Saí daquele motel, peguei um táxi, parei na avenida. Percorri lentamente a rua enquanto abutres em forma de homens olhavam meus seios fartos, minhas coxas grossas, minha cara desejosa e recebia assovios. Sorri e atravessei a rua com minhas botas altas, minha saia no joelho, minha blusa de seda rosa e minha aliança dourada.

~ Aaron

                O lugar era branco. Disso ele tinha certeza. Mas não era, de longe, familiar. Sabia que era branco e que fazia um frio agradável. E que ventava. Sim, havia um vento morno e carinhoso que percorria alegremente o lugar que não era um lugar. Sinos. Havia sinos também. Ou guizos, era difícil diferenciar.
                Aaron estava esquecido naquele imensidão branca. Sentado pacientemente num banco comprido de ferro ornamentado em voltas e curvas e formas, o menino olhava pra o espaço albino e sem fim. Seus olhos marrons piscavam preguiçosamente. Não sabia como tinha chegado ali nem tampouco onde era ali. Só sabia que tinha de esperar.
                Os cabelos finos, despenteados, balançavam com o vento colorido que passava ali hora ou outra. Os dedos tamborilavam a madeira escovada do banco. As pernas balançando sem conseguir tocar o chão. E o silêncio agradável do vazio ecoando em tudo.
                Uma pena caia lentamente do alto. A pluma branca cintilava num balé em redemoinho, descendo lentamente até tocar o chão. E outra caia por fim. E outra. E mais uma. E a chuva de plumas começava a descer suavemente sobre o garoto. Piscou um par de vezes. Sentiu uma mão muito macia tocar suas costas. Virou. Um brilho.
                Naquela tarde, um corpinho congelado jazia perdido em um beco de Londres.

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