terça-feira, 22 de janeiro de 2013

~ Artemis, parte 1

                - Artemis. O que você vê?
...
                O mundo estava entregue a guerra e a revolução. Levantes começavam aqui e ali, bombas explodiam e esburacavam a terra, o som das batalhas perfuravam os ouvidos a cada dia sem descanso. Desde que os "Abençoados" foram revelados e tiveram seus poderes e dons expostos, a Terra nunca mais foi a mesma. A batalha por divisão de territórios e pela supremacia de poder começou serena, mas logo se alastrou como praga. E tudo mudou.
                Era 13 de Agosto de 2353. Um menino apareceu na televisão dizendo que podia fazer coisas incríveis. E realmente conseguia. Todos puderam ver nos seus televisores, celulares e outros meios de mídia o jovem planar a alguns poucos metros do chão e depois alçar um vôo cortante e rápido. Ele foi o primeiro de muitos. Depois da primeira exposição, mais e mais pessoas com poderes fantásticos começaram a surgir; alguns por vontade própria, outros expostos por amigos, parentes e vizinhos. Parecia ser tudo maravilhoso. A criminalidade havia caído vertiginosamente, doenças eram curadas pelos que tinham esse dom, desastres eram evitados. Ia tudo muito bem. Até aparecer alguém que resolveu usar um "Abençoado" como poder bélico. "Por que não?"_diziam eles. "Serão nossa melhor defesa!"
                De repente, mais e mais "Abençoados" eram levados a campos de treinamento em todo o mundo. Laser dos olhos, fazer flores e árvores brotarem do nada, bolhas e faíscas saltando de dedos, fogo das mãos, campos de força, força descomunal, poderes espantosos. E depois de um tempo, já não havia mais volta. Em 2398 a I Grande Guerra explodiu entre os continentes. Praticamente todos os países estavam no meio e queriam tomar a supremacia, usando os "Abençoados", que antes ajudavam as pessoas comuns, como armas e aumentando seu poder bélico. A Terra ficou em chamas em menos de 20 anos.
                05 de Abril de 2369. Os campos de treinamento, ou "Santuários" como eram chamados, já abarrotavam o globo. Cada vez mais "Abençoados" eram trazidos para os pátios cercados de muros altos de pedra e vigilantes encarapitados nas torres. Naquele dia, duas novas aquisições adentravam os grossos portões de ferro: Caleb, de 13 anos, que diziam poder projetar um campo de força, e Victória, de 11 anos, que podia dar vida aos seus "amigos imaginários". Um grito de agonia ecoou de uma das celas no interior do complexo de pesquisa assustando os novatos.
                Caleb era magro, a pele muito branca e os cabelos vermelhos num corte alinhado. Entrou cabisbaixo e receoso, andando apressado mas com passos curtos, levantando o coturno no caminho poeirento. Era um menino desconfiado e levemente inseguro. Havia descoberto seus poderes quando alguns garotos implicaram com ele. Juntou as pernas e colocou os braços protegendo a cabeça dos chutes. De repente tudo parou, não sentia mais os chutes ou os socos. Abriu devagar os olhos e mal pode acreditar: um escudo feito de nada se projetava ao seu redor. As crianças caídas de lado olhavam assustadas para o menino, enquanto oficiais da guarda vinham em sua direção. Três dias depois estava sendo enviado para o "Santuário".
                Victória era uma menina baixinha de cabelos negros e dedos ágeis que praticamente não saía de casa. Vivia desenhando e inventando mundos paralelos. Tinha alguns amigos no colégio, mas nada se comparava com as criaturas fantasiosas que habitavam sua mente e faziam às vezes de melhores amigos. Qual não foi o espanto de seus pais quando, de repente, os "amiguinhos" da filha começaram a aparecer pela casa. Primeiro foi uma mistura de pato com rinoceronte feito de pelúcia andando na pia da cozinha. Depois, pássaros de papel cor-de-rosa voando pelo teto e robozinhos azuis perambulando pelo carpete da sala. Não tardou para que uma vizinha contasse para um oficial que vira a menina brincar no quintal de casa com um mestiço azulado de ouriço com lula do mar, tomado chá em cadeirinhas de plástico. Dois dias depois já estava adentrando os portões do "Santuário" com seu ornitorrinco de pelúcia a tira colo.
                Fora colocados em celas vizinhas, de 2 metros quadrados e cobertas de uma cor cinza e sem graça. Um beliche ornamentava o lugar ao lado de uma pia simples embaixo de uma janela gradeada. Victória iria dividir a cela com Daniela, uma menina gorda que fazia o ar vibrar ao bater palmas, enquanto Caleb dividiria com Júlio, um menino risonho que podia copiar as coisas que tocava. Nas celas do lado viviam crianças, jovens e adolescentes que podiam fazer de tudo; desde soltar fogo pelos dedos até se multiplicar ou ficar invisível. Olharam a lista de atividades na parede. Teriam café da manhã às 7h, treino às 8h, almoço às 12h, 1h de turno livre, mais treino às 14h, jantar às 20h, toque de recolher às 21:30h.
                Victória escutou um lamento baixo ouvido da cela em frente. Era a única que não tinha uma porta de grade. No lugar havia uma porta grossa e branca, com uma janelinha de vidro sem aberturas. Caleb subiu na ponta dos dedos para espiar e viu uma garota de cabelos compridos e bagunçados ajoelhada no canto de um quarto acolchoado imensamente branco. A garota tampava o rosto com os braços envoltos numa camisa que tinha as mangas demasiadamente grandes e desproporcionais. A menina chorava baixinho, balançando o corpo pra frente e pra trás.
-O que tem aí dentro?_perguntou Victória.
-Uma menina. E parece que ela não está muito bem._Caleb olhava triste para a garotinha do lado de fora da cela.
-Oh. Oi, sou Victória! E você?
-Caleb. Você veio junto comigo, né?! Muito prazer. _ Estendeu a mão para a menininha, que correspondeu o cumprimento com um sorriso doce.
                O dia já havia raiado. Tomaram café da manhã e foram direcionados aos treinos. Caleb era forçado a criar campos de força para impedir de ser atingido por bolas de borracha macia. Conseguiu fazer acontecer umas 2 ou 3 vezes entre as 76 tentativas. Victória tentava criar as coisas que os treinadores mostravam, mas misturava alhos e bugalhos e criava nada com nada (saiu um macaco com cara de tucano quando tentou criar uma faca). Terminaram o almoço esgotados e foram levados ao pátio para a hora livre. Sentaram na sombra de uma árvore, tentando descansar até o próximo treino quando Caleb cutucou Victória. A menina da cela em frete andava lenta e cabisbaixa pelo pátio. As longas mangas brancas da camisa arrastando pelo chão. O cabelo repicado balançava com o vento, revelando olhos cansados e com olheiras profundas. Era alta, não devia ter mais que 12 anos, os olhos e cabelos castanho-avermelhados, a pele morena. Olhou de canto de olho para a dupla que a encarava e continuou caminhando vagarosamente em direção ao nada. Sentiu um puxão na manga da camisa e olhou cansada na direção de uma Victória segurando, sorridente, sua blusa.
-Oi, sou a Victória e eu moro na frente do seu quarto. Quem é você?
-Victória, não seja intrometida._Caleb vinha puxando a garotinha. -Me desculpe o incomodo.
-...... Não foi um incomodo. Muito prazer Victória, sou Artemis. _Sua voz estava cansada e era cambaleante, variando entre o fino e o grosso muitas vezes. -E você seria o garoto que ficou me espiando ontem....
Caleb corou de leve, coçando a nuca se graça. _Me..me desculpe... pensei ter ouvido você chorar...errrm... não te vi no treino da manhã....
-Eu quase nunca treino com os outros. .....Eles dizem que eu sou "instável" e tenho de treinar sozinha...
-O que você consegue fazer? Eu posso fazer bichinhos e coisas malucas só de pensar!
-Que legal.... eu... eu "altero e manipulo as probabilidades e posso ver além do amanhã!" Pelo menos é o que eles me falam....
-Uaaaaaauuu!_Victória não sabia muito bem o que era aquilo, mas pra ela pareceu ser uma coisa legal.-O Caleb faz escudinho de ar!
-Não é um "escudinho de ar"! Eu faço campos de força!
-Deu no mesmo!_disse uma Artemis risonha. -Haahahahaha...me desculpe....
                Passaram a hora livre juntos, rindo de algumas coisas, conversando, contado sobre a vida que tinham fora do "Santuário" até o sinal de aviso soar levando todos para o treino da tarde. Artemis foi guiada por dois guardas até uma ala interna, enquanto o restante dos "Abençoados" era levado para o pátio de treinamento. A garota acenou e deu um sorriso tímido para os novos companheiros e rumou para sua imensidão branca.
-Ei, Caleb... toma cuidado com essa menina. Me disseram que ela é perigosa e estranha. Que ela é tipo uma bruxa, que pode fazer coisas terríveis e até destruir o mundo!
-Júlio... não é possível que aquela maltrapilha conseguiria destruir o mundo. Devem estar exagerando só porque ela é diferente.
                No complexo de pesquisa, Artemis fora colocada no centro de uma sala muito grande e extremamente iluminada e branca. Uma voz sem boca ecoou pelo recinto:
-Está preparada? Ao meu sinal... em 3, 2, 1.... COMECEM!
                De repente, ao mero sinal da voz, comportas abriram-se nos quatro cantos da sala revelando robôs armados que avançavam ruidosos para a menina no centro da sala. Artemis nem ao menos piscou. Pulou para o alto, o cabelo esvoaçando junto as roupas enquanto gesticulava os dedos de forma rápida. De imediato, formas coloridas saíram da mão da garota e percorreram o ambiente cortando e explodindo as máquinas. Pairou no ar como se fosse bolha de sabão, os dedos retesados, os olhos escancarados emitindo um brilho roxo. Mais robôs apareceram do chão, paredes e teto atacando a menina. Apontou os dedos para algumas máquinas e as mesmas transformaram-se em borboletas pretas, levitado pelo ar de forma inofensiva. Levantou os braços de forma rápida, fazendo com que aparecesse do chão inúmeras estalagmites de gelo e pedra, perfurando as máquinas restantes. Pousou pesada entre as formações rochosas. Piscou um par de vezes. Olhos castanhos.
-Parece que tem conseguido administrar bem os seus dons, minha cara Artemis. _ A voz sem boca voltou a falar. - Vamos testar a segunda parte do treino. Refaça a sala!
                Artemis levitou pelo ambiente, sacudindo as mãos, fazendo a sala voltar ao que era no começo do teste. Antes de tocar o chão imaculado, um zumbido alto e irritante preencheu o ar fazendo a menina tapar os ouvidos com força e bater com o corpo n chão, gritando de dor e agonia. Risadas ecoavam no meio do zumbido ensurdecedor e a sala parecia girar. Os robôs voltaram a sair dos cantos da sala, investindo contra a garota que quicou pela sala no impacto com o primeiro deles. Jatos de água gelado eram atirados na jovem, mãos metálicas surravam o corpo inerte como se ela fosse uma boneca de pano.
-Vamos Artemis. Não quer terminar como Gabrielle, não é mesmo?
                Ao simples mencionar desse nome, os olhos da menina estatelaram num brilho vermelho, o corpo levantado, as mãos gesticulando rápido e os robôs pifando e derretendo. Caminhou devagar na direção de uma das paredes, fazendo o restante da sala explodir. Seus olhos eram pura vingança e ódio. O teto do complexo explodiu escandaloso, os ventos dançavam furiosos pela abertura formando um redemoinho de poeira e fumaça. O corpo caiu quando foi atingido por 7 dardos tranquilizantes vindo dos snipers de plantão. O complexo já estava sedo reerguido por 3 "Abençoados" antes mesmo da menina ser retirada em direção a ala hospitalar.

~ Continua

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