quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

~ Anúncio

            Procura-se um amigo que seja amigo. Alguém que não fuja quando tiver que ouvir meus problemas e que ria comigo quando eu estiver bem. Que goste de ficar na minha companhia muda ou na minha presença falante. Alguém que não seja perfeito, mas que será perfeito pra mim.
            Procura-se um amigo que fique comigo até o fim dos tempos e que não enjoe rápido da minha cara. Alguém que me faça cafuné porque sabe que eu gosto, que dê abraços apertados sem motivo aparente e que continue abraçado, mesmo que o tempo tenha passado demais. Que não ache estranho o meu abraço, meu telefonema de madrugada ou minha preocupação.
            Procura-se um amigo que goste de cores, de sons, de cheiros, de sabores, de gestos, de experiências. Alguém que converse horas a fio ou que goste de ficar em um silêncio confidente e cheio de significado. Alguém que leia os olhos, que saiba as expressões, que preste atenção. Procura-se alguém que, sem eu precisar falar absolutamente nada, entenda toda a inquietude presente no meu silêncio, nas minhas sobrancelhas arqueadas, nos meus lábios colados, no revirar dos meus olhos.
            Procura-se um amigo que dance sem música, que goste de abraços, de simplicidade, de amizade. Alguém que consiga entender a grandiosidade da palavra amigo, a profundidade de uma verdadeira amizade, do amor que haverá entre nós. Alguém que não me julgue de supetão, que não me aponte o dedo sem razão, que me escute e que me fale.
            Procura-se um amigo que não me vire as costas, que esteja presente mesmo estando a quilômetros de distância, que goste de gostar de mim. Alguém que lembra de mim somente por ver o sol, por sentir o vento, por ver um arco-íris, uma cor ou uma nuvem engraçada. Que se lembre do som da minha risada, da minha cor favorita, da música que é só minha.
            Procura-se um amigo que não seja homem nem mulher, que não me veja nem como homem nem como mulher, que não crie barreiras e que não destrua pontes. Alguém que se lembre de mim do nada, que pensa em mim sem razão aparente, que me dê um bom dia. Que durma na minha casa e que goste de fazer isso. Que me chame para ir a lugares que sabe que não irei, mas que quer minha companhia mesmo assim. Que assista filmes comigo, mesmo sem entender o enredo e que, talvez, goste de me ouvir explicar.
            Procura-se um amigo que me desenhe porque sabe que eu gosto e porque gosta de fazer isso, que me faça uma música sem sentido, que me faça um poema. Alguém que leia meus textos porque quer, que saiba me criticar quando necessário, que me dê sermão quando merecer. Alguém que me defenda quando eu não estiver presente e que me apóie quando eu estiver, que não sinta vergonha de falar que é meu amigo, que não crie tempestades de neve no olhar, nem me ignore com muralhas sem fim.
            Procura-se um amigo branco, preto, amarelo, vermelho, mestiço, verde ou azul. Um amigo no ar, feito passarinho. Um amigo que tenha amigos, mas que mesmo com mil amigos queira me fazer amigo. Alguém que queira ser meu amigo, que queira gostar de mim e que me mude e que mude comigo e que experimente comigo e de mim e dele mesmo.
            Se você, como eu, se identifica com o anúncio acima, favor entrar em contato. Se não se identifica, mas quer tentar mesmo assim, seja bem vindo. Se não, boa sorte. Que ambos encontremos bons amigos e que sejamos os bons e melhores amigos de outrem.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

~ Cores verdadeiras

E, enfim, eu parei de me desesperar por tudo que vinha de você. Para mim, no início, podia parecer bem desesperador mas eu realmente não me importo tanto quanto já me importei. Já não sinto necessidade de me drogar com meus pensamentos sobre você, com minhas ilusões sobre você. Já não quero mais me envenenar com o líquido quente que eram os sonhos que vinham com sua presença e nem preciso tanto de ouvir sua voz ou ver seu rosto ou ler sobre você. Isso já passou.
Houve um tempo em que cada esquina de sonho era você, em que cada suspiro tinha seu nome, que cada lágrima vinha batizada com um momento seu e que cada segundo tiquetaqueado no relógio emergia com seus olhos embebidos em saudade. Houve um tempo de amor puro, sincero, leal, verdadeiro e desesperador. Um tempo de entrega total e absoluta. Um tempo de um eco surdo, mudo e vazio. Um tempo que eu já não quero mais. Passou.
Eu te amei. Te amei de verdade. E não serei hipócrita e dizer que já não te amo mais. Ainda te amo, mas não com a mesma intensidade, não com o mesmo desejo, não com o mesmo amor. Passei tempo demais submerso no abismo gelado que foi o seu coração que acabei me acostumando com as feridas dos sopros gelados que eu recebia, com os cortes finos e profundos que eu colecionava de suas estalactites e estalagmites tantas. E congelei. Mas isso passou.
Hoje, enfim, consigo olhar para trás e ver que as cores que te pintei eram mais azuis e mais vivas do que imaginava. Mas essas cores vivas eram incapazes de surtirem qualquer efeito na sua tela que parece possuir a profundidade de um pires. Distribuí gratuitamente minhas cores, minhas pinceladas, minhas tintas. Entreguei cada pedaço de mim, cada gota de inspiração e de vida que poderia haver dentro do meu pote chamado “eu”. E, ao olhar com mais cuidado, percebi que sua tela era imensamente porosa, tragando tudo para si e vertendo um massivo, desbotado e absurdo "nada". E já não sei se as poucas cores que obtive de sua pintura em mim eram reais, se eram suas, se eram sinceras. Passou.
Olhei em volta. Agora que reparei: as minhas próprias telas estavam inacabadas e manchadas. As cores de outrora não haviam sido retocadas e desbotavam com o passar do tempo. Miro meus pincéis paras as telas esquecidas e começo a repintá-las. Já que não tenho mais tanta necessidade de gastar minhas tintas e minhas cores e meus brilhos com sua tela e poderei, enfim, repintar as minhas. Gastarei cada nuance de púrpura, cada tom de vermelho e cada escala de cor da qual disponho para pintar minhas próprias telas e ofertar essas cores tantas para quem realmente se interessar e para quem conseguir ver as minhas cores verdadeiras.
Pensei, por um tempo, que eu seria capaz, que eu era capaz de ver as suas verdadeiras cores. De ver as suas cores de verdade, as suas cores reais. Aquelas que você ainda não teria tido coragem, ou talvez oportunidade, de mostrar a mais ninguém (ou talvez não tenham tido paciência nem carinho suficiente para olhá-las e reparar). Mas, pelo visto, me enganei. Parece que a única coisa que consegui de você foi um céu poeirento, uma luz ocre com uma gota singela e minúscula de tinta, que talvez tenha escapado sorrateira do pote. E decidi aceitá-la.
Bom, se foi tudo que você conseguiu doar a mim, usarei-a para terminar sua obra eternamente inacabada. Darei a última demão com essa gota no seu retrato de memória e o guardarei. Quando, enfim, tiver terminado as minhas telas e minha galeria estiver sepultada sob o céu escarlate do fim, tentarei olhar com carinho para cada tela. Tenho certeza que a sua, que antes vomitava cânticos de maldição e vazio de tudo, poderá cantar um brilho prata de esperança. E poderei perceber que valeu a pena.
Mas, por hora, não irei me ater a essas cores, a essa tela ou a esse brilho de futuro inacessível. Continuarei a não me embebedar de você. Continuarei a não tomar nenhuma dose sequer do licor amargo que eu teimava em adoçar. E se eu sentir novamente as malditas borboletas pintadas com suas cores desbotadas batendo asas salientes pelo meu estômago tratarei de colocá-las de volta no seu sono profundo de crisálida. Elas que pintem o meu interior com suas cores outra hora. Quando suas asas estiverem finalmente prontas.
Quem sabe não poderemos repintar o seu quadro? Mas desta vez deixarei os pincéis descansarem. Eles devem estar prontos para parirem a vida quando as suas cores verdadeiras estiverem prontas.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

~ Cora, parte 1

                O sol ainda não havia raiado quando a silhueta da garotinha começou a fazer forma no horizonte. A pequena Cora andava pela orla da floresta naquela noite, espairecendo os pensamentos. Árvores muito velhas e tortas costuravam o chão com suas raízes distorcidas, enquanto as mais novas (que já não eram tão novas) balançavam seus galhos despidos e com poucas folhas sob o sabor do vento da madrugada.
                A floresta ficava encarapitada no alto do monte que fazia divisa com o quintal da casa da menina. Era um chalé simpático, de dois andares e ladeado de grandes e finas janelas azuis. Era feita de madeira forte e elegantemente trabalhada, pintada de um verde-pérola tímido, com alguns arbustos cobertos de “Não-me-esqueças”. Cora sempre ria consigo mesma ao olhar para as diminutas flores azuis e nunca lembrar o nome delas.
                O jardim concêntrico era repleto de um verde vivo pintado aqui e ali por algumas rosas selvagens e sempre-vivas, enquanto 2 árvores formavam portal na entrada da propriedade. Um portão de ferro assumia, imponente, o lugar de guardião do local, enquanto cercas de madeira pintada fazia uma ciranda circundando o território.
                Na próxima semana a garota completaria 17 anos. Seu pai havia planejado uma grande festa no jardim para comemorar com os amigos e parentes. Um bolo de 3 andares com cobertura de chocolate e glacê havia sido encomendado. Cora já tinha, inclusive, pedido que alguns morangos enfeitassem o castelo de massa escura e deliciosa. Mas parece que nem tudo seria perfeito . Se o que fora planejado para ela realmente acontecesse, a garota estaria morta em breve.
                Cora não dormia bem fazia algum tempo. Por algum motivo que ela não sabia qual, sonhos estranhos chegavam até ela à noite como se fossem entregues pelo inferno. Em todas as noites, por longos 3 meses, a garota sonhava sem cessar com mão escuras e muito finas segurando seu corpo, enquanto uma boca escancarava dentes pontiagudos no alto do escuro inerte que formava o local do pesadelo. Antes que a boca a alcançasse, os olhos se abriam, o corpo se levantava pela metade na cama macia e o suor escorria frio pelo rosto. O coração era um tambor de guerra que batia descompassado e rápido feito raio. Assustada e sozinha voltava a deitar-se. E sonhava de novo.
                Quando voltou para seu quarto, o relógio cumprimentou-a com o badalar das 4 da manhã. Deitou-se e tentou dormir. Mal fechara os olhos e o sonho já havia começado. Mas alguma coisa estava errada. As mãos estavam apertando demais dessa vez. Abriu, de repente, os olhos e percebeu que não tinha dormido. Mas a sensação do aperto não passou. Olho de relança para o corpo inerte e vomitou um grito de horror. As mãos ainda a apertavam.
                As sombras do quarto estavam se mexendo, formando mãos de penumbra em volta da menina, enquanto ela se contorcia e gritava tentando se livrar do que quer que fosse aquilo. E uma voz sem boca sussurrou uma canção de ninar: _Morra, gentil menina. Apenas seja levada. Morra em silêncio. Seja levada.
                Cora chorou e gritou o mais alto que podia. Tentava se livrar das mãos negras com toda a sua força. E a porta se escancarou com um barulho surdo. A luz se acendeu, enquanto os pais passavam correndo pelo quarto até a filha assustada e branca feito um fantasma. Já não havia mais mãos ou voz ou maldições. Apenas o medo e a confusão.
                Abraçou os pais e chorou novamente. Ela não dormiu novamente naquela noite. Passou o resto da madrugada agarrada ao colo da mãe sonolenta e ao lado de um pai confuso e dorminhoco. O sol finalmente raiou. O dia começara.
~ Continua

~ Cansado

Descanso meu corpo vazio na cama desarrumada, enquanto escuto o som do vazio reverberar nas quinas brancas das paredes do meu quarto. A cabeça fatigada, destruída, confusa e perdida, pendendo de um lado, repousada no travesseiro mole. E os olhos perdidos.
Deixo que minha mente viaje por todo o bosque de arquivos de memórias intituladas sobre você. Passeio pelos corredores mentais abrindo gavetas, revirando arquivos, mexendo nas caixas. Tiro tudo do lugar, reorganizo, repenso, repaço, desfaço. Já não importa mais.
Depois de recatalogar tudo por mais de 5 vezes minha cabeça já está nauseada de tanto persistir em te entender, de tanto tentar encontrar as brechas naquelas atitudes, naqueles olhares. Cerro meus olhos para me concentrar. Já não quero mais ter que me martirizar e me reorganizar a cada palavra, gesto, frase, olhar, sumiço seu. Já não aguento mais.
Depois que eu te encontrei, pela primeira vez, me lembro de ter me sentido como num baile multicolorido, repleto de alegria, músicas, cheiros, sabores. Queria me preencher de tudo aquilo. Queria me afogar nesse mar de sentimentos tantos. Hoje percebo que o baile, na verdade, era um baile de máscaras, onde demônios disfarçados esgueiravam-se pelas sombras, atormentando os dançarinos, desfazendo as decorações, roubando as cores. E já não existem taças a tilintar em brindes festivos, nem bebidas esfumaçantes ou borbulhentas, nem o mosaico de cores e cheiros doces que planavam pelo ar. O salão está vazio. Apagaram as luzes.
Estou agora no meio do salão, sentado sozinho, segurando a pasta com os arquivos mais bonitos e alegres que consegui resgatar da sua sessão de memórias. O chão parece frio demais. O ar parece pesado demais. E já não suporto tanto o peso das minhas roupas. Mas abraço com força o arquivo. Queria que aquilo voltasse a existir. E me desiludo.
Meus olhos se abrem novamente, acordando demoradamente do sonho bailado. Pisco um par de vezes enquanto a luz da tarde banha minhas formas e brinda meus olhos castanhos com um brilho forte. Não quero me levantar. O pijama parece confortável demais. Viro para o lado voltando a retesar-me na decisão mental. Há muito já havia percebido que não há mais espaço para alguém como eu. Uma presença quase invisível, quase... celofânica. Fina, transparente, esquecida.
Não nego as lágrimas. Elas já foram minhas únicas companheiras por tanto tempo. Dediquei àquela presença meu tempo, meu ar, meu coração, minha alma, meu eu, minhas palavras, meus olhares, meus sonhos. Mas ela nunca leu minhas linhas, nunca olhou os meus olhos, nunca reparou no meu sorriso. Jamais se aventurou em meu ser e nem ao menos quis se entregar a mim como eu me entreguei. E me culpo.
Levanto. Despenteio ainda mais os cabelos despenteados. Percorro a casa, busco o café, penso. Agora já não me importa mais. Já não preciso tanto dos seus olhares, da sua voz, do seu abraço inexistente. Estou cansado demais para me importar com o que você acha, o que pensa, o que faz, o que precisa. Estou cansado. Somente isso.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

~ Espaços

Alguma coisa está errada. Os dias passam mais devagar, os ventos não mudam de direção ou de intensidade. Tudo parece meio morno demais, meio vago demais, meio pesado demais. Sinto que alguma coisa se quebrou dentro de mim e simplesmente não consigo saber o que é ou seguir os cacos do que quer que seja ou rastejar pelo espaço vazio que antes teria algo inteiro que não sei o que é.
Abraço-me num gesto solitário tentando encontrar o frágil apoio que me sustentava e já não sinto os pés tocarem em nada balançando sozinhos pelo espaço vago sentindo o bafo frio do vazio e respiro e grito e gemo e não ouço enquanto perco o fôlego. Respiro. Sustento o ar e me sustento no ar. E não descubro o que está errado, nem o que está faltando. Só sinto os cacos daquilo que quebrou dentro de mim.
Remonto as memórias, procuro pelas histórias e pelos furos, tentando encontrar qualquer pista do que poderia estar quebrado, do que poderia ter feito sabe-lá-o-que ter quebrado. Nem mesmo dor consigo sentir. Apenas o mormaço quente do tédio e da sensação de ter me acostumado com a dor dos cacos perdidos me alfinetando e rasgando as entranhas.
                Recosto minha cabeça no vidro da janela e observo a cidade sepultada sob um céu vermelho com pesadas nuvens de lápides. Meus olhos percorrem a imensidão acinzentada e nada encontro de cor para poder banhar meu dia e costurar os espaços vagos que habitam em mim. Nem mesmo as lágrimas veem brindar meu sofrimento mudo, nem tremores nem soluços me fazem companhia. E sinto uma mescla disforme de sentimentos, que valsam entre o medo e a solidão de mãos dadas com a dor que já não sinto e com as razões que me forcei a ter. Parece que nada mais importa.
                O que farei para ter meu céu banhado de pássaros? O que terei que fazer para conseguir apreciar novamente as cores de um campo incendiado de girassóis? O que quebrou em mim e o que eu tenho que consertar para poder pintar em meu olho o mesmo mundo que eu vivia, tão cheio de cores, de sonhos, de cheiros, de risos, de festas, de mim? Poderei passear comigo mesmo pelos jardins do meu eu? E como poderei fazer isso se algo falta? Se falta a chave, a maçaneta, o buraco da porta, a entrada? Tantas indagações e nenhuma resposta. E nenhuma estrada.
                Decido embrenhar-me nessa mata fechada de solidão, enfrentando qualquer quimera e qualquer tormenta que possa vir me ameaçar e tentar impedir minhas descobertas. Fecho os olhos enterrando o mundo exterior e mergulho em uma cova sem fim, como uma toca de coelho funesta banhada em escuridão. E me deparo com um imenso vazio vomitando trevas. Mas preciso encontrar novamente minha luz. E parto sem rumo para o meu próprio interior, sem nem ao menos saber o que vou encontrar. Só sei que preciso... e que vou aonde quer que eu tenha de ir...

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