sábado, 18 de agosto de 2012

~ Momentos (uma história de HP)


            Cinza. Era assim que estava o céu no dia em que ele foi embora. Sam tinha 6 anos quando o pai falecera. Era um dia cinzento, com certeza. Acompanhando o rápido trajeto, de um silêncio fúnebre e uma beleza mórbida, o garoto, agarrado à saia da mãe, chegava ao cemitério. Entre soluços e lágrimas, a pequena criança observava, atônita a todo festejo incolor. Com seus olhos redondos, viu seu pai ser enterrado e não sabia o que sentir... ou o que fazer. Com um aceno rápido da varinha, Esmeralda fez surgir uma coroa de flores roxas e depositou sobre o mármore negro e frio que selava o fim da vida de seu marido. E silêncio... e o cinza.
            Cinco anos se passaram, e o céu não era mais cinza. Um vasto manto azul cobria uma casa de madeira e seu jardim florido. A relva verde contrastava com o magnífico céu da manhã. Um garoto observava as nuvens. Seus olhos acinzentados percorriam a imensidão azul, enquanto sentia a brisa balançar seus cabelos.
_Sammy, venha aqui. Chegou sua carta!, gritava sua mãe de dentro da casa.
            O garoto foi a passos rápidos para dentro, entusiasmado. Esperara por aquele envelope, como um pulmão espera pelo ar. Ao ver o envelope amarelado, com letras desenhadas em verde-esmeralda, o coração do garoto pulou em êxtase. Abriu. E mais amarelo. O papel amarelado era cortado por letras verdes, contendo a tão esperada mensagem.


Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts


PREZADO SR. SANDERSON.
Temos o prazer de informar que V.Sª tem uma vaga na escola de magia e bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista dos livros e equipamentos necessários.
O ano letivo começa no dia primeiro de setembro, estamos aguardando sua coruja até 
31 de julho, no mais tardar. Atenciosamente


    Ezra Divina    
Diretora

            Olhou confidente para a mãe que estava com pequenas lágrimas de orgulho decorando os olhos. Se abraçaram em festa, enquanto a mãe soltava pequenos lampejos azuis pela ponta da varinha. E o céu já não era mais azul. O crepúsculo o afugentara, tomando para si toda a imensidão do céu londrino. E na casa imensa podia-se ver apenas uma mulher alta, de longos cabelos soltos, andando em direção à lareira, seguida por um pequeno corpinho, de cabelos rebeldes e eriçados. A mulher soltara sua mão e se inclinou, entrando na lareira.
_Beco Diagonal!, e a mulher desapareceu em chamas muito verdes, que crepitaram e sumiram.
            A criança repetiu os passos da mãe, e desapareceu em verde-claro, assim como sua antecessora. Em um bater de coração, estavam mãe e filho, de mãos dadas, entrando num pequeno hotel de um simpática e silenciosa rua torta. Não havia tempo a perder. Na manhã do outro dia iriam apressados às compras.
            E o céu se encheu de azul e amarelo e branco novamente. Fazia uma linda manhã, nada poderia ser mais especial que aquele céu limpo. Sammy já estava pronto, vestindo roupas escuras de frio, com luvas sem dedos. Esperava paciente a mãe calçar os sapatos. E saíram. A ruazinha torta, silenciosa sob o negro céu, no azul claro se enchia de gente, de cores, de sons e cheiros, e cores, e ruídos, e conversas e passos, e cores!
            Passaram o dia comprando a lista de materiais necessários ao primeiro semestre, incluindo uma grande coruja negar de olhos âmbar e um livro de feitiços para iniciantes, que não estava na lista. Mas ainda faltava uma coisa. A mais importante delas: a varinha. Entraram numa pequena e empoeirada loja “Olivaras, varinhas de 1300 A.C.” Sammy experimentou diversas varinhas, até que uma finalmente escolhera o garoto. Seu corpo se encheu de uma luz quentinha, seus cabelos tremeram e a varinha soltou faíscas roxas e vermelhas em todas as direções. Era aquela: Salgueiro, 26 cm e farfalhante, com núcleo de pêlo de testrálio, ótima para feitiços. E assim, em meio ao céu alaranjado do fim da tarde e a uma taça enorme de sorvete, terminava o primeiro dia de uma longa caminhada. E o garoto mal podia esperar para que o ano letivo começasse. E o céu ficou azul-marinho, salpicado de pequenas gotas brancas.

~ X ~

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

~ Querido Diário

            Hoje pensei em me matar... Mórbido, né?! Mas eu realmente já não sei até quando vou conseguir resistir, até quando vou suportar os pesos que me são destinados. Diário, eu tive um dia tão bom, tranquilo, calmo. Não sei de onde aquela onda trôpega de pensamentos negativos veio. Não sei como consegui me pegar pensando somente em coisas ruins. Senti apenas um vazio dentro de mim, que crescia e se agitava, como se eu fosse oco, como se nada que eu fosse ou que tivesse valesse a pena. Eu não sei, me pareceu como se um buraco negro abrisse suas portas dentro de mim e fosse crescendo como uma fera descontrolada devorando tudo que encontrava pelo caminho.
            Eu sei, parece que eu sempre exagero as coisas, sempre as colocando em patamares maiores do que elas realmente merecem estar. Mas eu não conseguia encontrar um único ponto de luz em que eu pudesse me agarrar. As amizades já não pareciam as mesmas, a família parecia distante, os amores cada vez mais impossíveis e.... aquela pessoa... aquela pessoa que sempre me atormenta os sonhos. Por mais que eu sorria quando penso nela, é a mesma pessoa que faz o anzol de tormento puxar suas linhas negras em volta da minha alma. E vou cada vez mais para baixo, para o mais escuro fundo que habita em mim.
            Parece meio precipitado... eu me matar, ser o meu próprio ceifeiro, acabar com toda a dor que persiste em me apunhalar. Não sei, só me pareceu uma boa ideia na hora. A ideia de vestir a mortalha negra da morte, de me entregar às suas asas, de partir para onde não haveria mais mentiras ou dores, ou amores não correspondidos nem medo, nem insegurança. Um lugar de paz, claro, sereno. Uma navalha, duas teias horizontais pingando gotículas carmesins. Ou até mesmo um salto do alto de um prédio, ouvindo o vento entoar sua infindável música, como um mantra da morte, me recolhendo em seus braços, para depois largar-me estatelado no colchão de concreto que aguarda no fim da descida. Apenas alguns minutos, alguns segundos, algumas lágrimas. E fim. E tudo estaria bem.
            Mas bem para quem, você me pergunta. Ah querido diário, foi exatamente essa a pergunta que me puxou das águas frias e depressivas que me aprisionavam. Quem estaria bem? Quem me garante que do outro lado do lago congelado da vida as coisas não seriam piores, mais difíceis, mais incertas? Quem me garante que a dor seria findada? E os que eu deixaria para trás? Quanto sofreriam? Eu nunca quis fazer ninguém sofrer, não queria ser o causador de nenhuma lágrima sequer. Por que deixaria como último presente uma quantia incontável de lágrimas nodosas embrulhada numa caixa fúnebre? Não, eu não sou assim. E consegui me reerguer.
            Se agora escrevo em ti, meu querido diário, é porque consegui resgatar em mim as últimas forças que eu havia guardado em um armazém escondido que nem eu mesmo lembrava a senha, qual chave serviria. A imagem que tenho é de um eu, encostado num amontoado de nada, cercado do mais negro manto de ébano. E de repente, um silvo... um sino. E as teias de memórias, como fios de aranha sendo tecidas em mim, me relembrando quem eu era. Eu sou imbatível, eu tenho as asas mais claras e as forças mais inesgotáveis do mundo. Eu sou o ser mais importante do universo, do meu universo e isso me basta.
            Sai de minha caverna como se alçado por um anjo pacífico e sem rosto, tendo como única certeza que eu conseguiria, mesmo se me dissessem que eu não podia mais, que não me era permitido amar, que eu não poderia sorrir. Eu iria fazer minhas próprias regras, iria mais longe. Sim, meu valioso amigo, eu vou continuar de pé. E espero que possas me acompanhar em mais dias e mais lágrimas e mais sorrisos.
            Com todo amor que possa haver no coração de um ser,
                                                        
  ~Arthur P. Sanderson

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

~ Olhos coloridos

          Sentado em uma de minhas incontáveis poltronas multicoloridas vejo a imensidão fumegante da mesa a minha frente. Meus olhos percorrem rápido cada canto da toalha artística cujas cores não têm par algum e que formam um padrão que vem a adornar a mesa. Olho preguiçosa e rapidamente para as incontáveis porcelanas que percorrem faceiras o campo quente e furta-cor. E troco de lugar. Esse já não me agrada mais.
Tomo em minhas mãos ágeis uma xícara refinando a brancura imensa, cujo interior está mergulhado em um líquido esverdeado e cheirando a cravo. Beberico parte do adocicado chá, comentando, em meio aos silvos de uma chaleira borbulhante, sobre minha divagação comparativa entre seres e formas que nada tem a ver. E me lembro da menina loura e miúda que me acompanha nesta tarde.
Encarapitado em minha cabeça, uma cartola repousa majestosa e imponente. Um das minhas mais belas criações. Gostaria de ter mais tempo para voltar a me dedicar ao meu ofício. Costurar e remendar chapéus de todos os tipos, cores e formatos. Transpassar minha agulha pelo tecido, como um cavaleiro perfurando a carne com sua espada afiada. E fazer de um pedaço inerte de pano, uma criação vívida e única.
E me desmancho numa melancolia interna e escondida, lembrando do fatídico dia em que perdi meu precioso tempo para a Rainha. Devo ter perdido parte da pouca sanidade que possuía naquele dia. Sem falar no pesar que carrego por ver minha eterna companheira enlouquecer comigo.
Ela está apenas a 2 poltronas de distancia da minha, mas nossa real distância parece aumentar cada dia mais. Presos nessa mesma casa de horas, espetados no alto desse monte, vendo o vento levar lembranças e jamais levar dias. E mudo outra vez. Parece que essa poltrona já esta dura.
Agora observo um líquido frio cor de capim-cerrado e beberico o aroma de amoras frescas e sabor de mel. Giro meus olhos coloridos enquanto acompanho as espirais de fumaça pelo ar. Dois irmãos que partilham casas visinhas: um marejado de um azul profundo e cintilante e o outro pintado de um vermelho eterno de Copas.
Oferto para minha amiga um bolo em forma de nada, com camadas de todas as cores. Comemoramos hoje mais uma data especial que nem ao menos é um aniversário, nem tão pouco o Ano Novo. Ela sorri um sorriso quase insano e assopra as inúmeras velas, fazendo o bolo se desmanchar em purpurina. Logo mais é ela quem me oferece um bolo cândido e alegre em formato de cartola, do qual eu retiro uma fita bonina imersa em linhas e pontilhados, explodindo o mesmo em centelhas vivas que rodopiam no ar em verde e vermelho.
E mudo e giro e troco de lugar. E a cor da qual disponho é um amarelo-batido cheirando a pimenta do reino e alecrim dourado. Queria tomar mais chá, queria fazer chapéus, queria mudar de lugar quando achasse que me fosse conveniente. Mas estou preso entre os ponteiros, na eternidade de quem toma chá e na loucura de quem faz chapéus. Um Chapeleiro Louco, se assim preferir.
Certamente a menina loura está mais entretida que meu amigo arganaz que ressona profundamente em seu lugar. Observo as longas orelhas marrons de minha eterna amiga e me pergunto o que se passará em suas caraminholas já perdidas na imensidão de seu transloucado labirinto mental. E já me entristeço, querendo que o tempo passe de verdade e nós possamos novamente percorrer os campos junto ao Gato, colhendo amêndoas ou cantando nossas próprias melodias desritmadas.
Almejando aquilo de que nada sei e desprezando tudo de que não possuo, entrego a minha convidada que não convidei uma charada louca e sem resposta. Levanto languidamente minha xícara de asa quebrada e ofereço: “Mais chá, Lebre de Março?”.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

~ De Março

As cores do outono estão chegando. Um toque de vermelho surge em cada esquina. É tempo do dourado aparecer e se apropriar da maior parte das folhas. Uma brisa quente e faceira percorre o topo das árvores, que balançam ao seu dissabor, como se estivessem dançando juntas, cumprimentando o vento que passa.
Sentada na minha cadeira observo a imensidão colorida a minha frente. Enormes mesas, tortas e assimétricas, cobertas de toalhas multicoloridas sem formar nenhum padrão e formando toda uma conexão de cores e formatos distintos percorrem o verde da campina. Uma quantidade incontável de xícaras, bules e chaleiras se estendem pela imensidão colorida das mesas, soltando fumaças acolhedoras e cheirosas de seus interiores borbulhantes. É hora do chá.
Minha xícara ainda está cheia de um líquido cor de ouro que fumega e borbulha um cheiro de madressilva e hortelã. Ainda não terminei meu adocicado chá, mas já é hora de mudar de lugar. Não posso ficar aqui sentada, apreciando o sabor singular das gotas douradas que me foram ofertadas. Mudo e troco de lugar. E mais uma xícara, agora com um líquido frio e cor de canela cheirando a jasmim.
Percorro meus olhos tortos cor de âmbar pelas mesas, fitando meus convidados: um arganaz sonolento e dorminhoco, uma menina loira e meu amado e eterno companheiro das incontáveis horas do chá. A menina parece confusa e perdida, mas não a censuro. Eu mesma me pego pensando em como as coisas estão e em como poderiam ser. Por que não posso terminar meu chá? Do que me adianta trocar de lugar com uma cadeira vazia e trocar de sabor se não o degusto até o final? Mas já estou acostumada. Desde sempre foi assim e é assim que as coisas serão. Quem sabe se nós não tivéssemos perdido nosso tempo para a Rainha as coisas não poderiam ser diferentes?
Apesar dos pesares que não são pesares, gosto desses meus momentos eternos de chá e festejos. Comemoro todos os dias o simples fato de estar viva e ser feliz e louca às minhas maneiras tantas. Hoje em especial, como é especial em todos os dias do ano, comemoro o dia que não é meu aniversário. Meu valioso amigo me presenteia com um lindo bolo colorido de 7 camadas. Sopro com prazer a velinha torta que está encarapitada no topo do bolo e ele explode em centelhas douradas e ciscos prateados. Sorrio animada, batendo minhas longas orelhas, enquanto penso em alguma coisa sobre corvos e escrivaninhas.
Enquanto canto, danço, pulo e troco de lugar (quase sempre tudo de uma única vez), oferto um bolo em forma de chapéu para meu valoroso amigo que também comemora hoje e penso em como enlouqueci naquele fatídico mês que me aporrinha a memória e me prende interminavelmente na hora do chá.
 Então ele me olha nos olhos e posso ver certo pesar se escondendo atrás da névoa furta-cor de loucura. Sua cartola presa encantadoramente em seu cocuruto, alinhada perfeitamente com as coras e formas de seu vestuário sem padrão e completamente disforme. E ouço ele perguntar animadamente: “Mais chá, Lebre de Março?”

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