As cores do outono estão chegando. Um toque de vermelho surge em cada
esquina. É tempo do dourado aparecer e se apropriar da maior parte das folhas.
Uma brisa quente e faceira percorre o topo das árvores, que balançam ao seu
dissabor, como se estivessem dançando juntas, cumprimentando o vento que passa.
Sentada na minha cadeira observo a imensidão colorida a minha frente.
Enormes mesas, tortas e assimétricas, cobertas de toalhas multicoloridas sem
formar nenhum padrão e formando toda uma conexão de cores e formatos distintos
percorrem o verde da campina. Uma quantidade incontável de xícaras, bules e
chaleiras se estendem pela imensidão colorida das mesas, soltando fumaças
acolhedoras e cheirosas de seus interiores borbulhantes. É hora do chá.
Minha xícara ainda está cheia de um líquido cor de ouro que fumega e
borbulha um cheiro de madressilva e hortelã. Ainda não terminei meu adocicado
chá, mas já é hora de mudar de lugar. Não posso ficar aqui sentada, apreciando
o sabor singular das gotas douradas que me foram ofertadas. Mudo e troco de
lugar. E mais uma xícara, agora com um líquido frio e cor de canela cheirando a
jasmim.
Percorro meus olhos tortos cor de âmbar pelas mesas, fitando meus
convidados: um arganaz sonolento e dorminhoco, uma menina loira e meu amado e
eterno companheiro das incontáveis horas do chá. A menina parece confusa e
perdida, mas não a censuro. Eu mesma me pego pensando em como as coisas estão e
em como poderiam ser. Por que não posso terminar meu chá? Do que me adianta
trocar de lugar com uma cadeira vazia e trocar de sabor se não o degusto até o
final? Mas já estou acostumada. Desde sempre foi assim e é assim que as coisas
serão. Quem sabe se nós não tivéssemos perdido nosso tempo para a Rainha as
coisas não poderiam ser diferentes?
Apesar dos pesares que não são pesares, gosto desses meus momentos
eternos de chá e festejos. Comemoro todos os dias o simples fato de estar viva
e ser feliz e louca às minhas maneiras tantas. Hoje em especial, como é
especial em todos os dias do ano, comemoro o dia que não é meu aniversário. Meu
valioso amigo me presenteia com um lindo bolo colorido de 7 camadas. Sopro com
prazer a velinha torta que está encarapitada no topo do bolo e ele explode em
centelhas douradas e ciscos prateados. Sorrio animada, batendo minhas longas
orelhas, enquanto penso em alguma coisa sobre corvos e escrivaninhas.
Enquanto canto, danço, pulo e troco de lugar (quase sempre tudo de uma
única vez), oferto um bolo em forma de chapéu para meu valoroso amigo que
também comemora hoje e penso em como enlouqueci naquele fatídico mês que me
aporrinha a memória e me prende interminavelmente na hora do chá.
Então ele me olha nos olhos e
posso ver certo pesar se escondendo atrás da névoa furta-cor de loucura. Sua
cartola presa encantadoramente em seu cocuruto, alinhada perfeitamente com as
coras e formas de seu vestuário sem padrão e completamente disforme. E ouço ele
perguntar animadamente: “Mais chá, Lebre de Março?”
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