domingo, 17 de fevereiro de 2013

~ Connie

Estava naquela mesma sala de espera já tão conhecida. O sofá branco sempre muito confortável, os quadros de cores simples decorando as grandes paredes de um azul suave, dois vasos de flores colocados sobre as mesinhas de canto, a secretária impecavelmente bem arrumada, as revistas em cima da mesa de centro. A grande janela mostrava uma manhã calma e serena, com um céu azul bordado de poucas nuvens e muitos raios de sol enquadrando aquele dia. Chamaram meu nome.
                Quando entrei naquela salinha simples e de um bom gosto invejável, Anna já me esperava com um sorriso nos lábios, sentada em sua poltrona de couro marrom. Tinha um lenço rosa clarinho adornando o pescoço esguio, as unhas pintadas de branco e poucos anéis. A saia longa de seda preta percorria suas pernas até o começo dos pés enfiados num salto baixo. Nos abraçamos, num cumprimento de velhos amigos. Havia anos que eu frequentava aquela mesma sala. Meu lugar estava reservado no sofazinho branco a sua frente. Sentei-me.
                -Então... o que nós temos para hoje? Como foram essas últimas duas semanas?
                Aconcheguei-me na dobra dos dois lugares do sofá e me deixei relaxar. Fazia aquilo há muito tempo. Antes eram 2 vezes por semana, hoje apenas 1 a cada duas semanas.
                -Bem, não vou dizer que foram fáceis. Desde que voltei a me apaixonar por Connie as coisas tem sido deveras difíceis. Na verdade, acredito que nunca deixei de amá-la. Acho que apenas tentei me enganar por um tempo, dizendo que não gostava mais dela da mesma forma, que o amor acabou e coisas assim. Mas hoje tenho plena certeza que nunca deixei de amá-la. Ela sempre esteve aqui comigo, sabe?! Nos sonhos, pensamentos, nas coisas que eu fazia. Nessas duas últimas semanas me peguei pensando nela de uma forma que não tinha pensado antes. Parece que ela se tornou uma parte essencial da minha vida, como se eu fosse morrer ou ser imensamente infeliz se ela não estiver comigo, se ela não estiver presente.
                -Você sabe que a dependência de uma pessoa é o que nós devemos evitar, certo?! Conversamos sobre isso durante várias sessões e você não pode deixar que a sua felicidade seja domada por alguém. Você tem de se esforçar para ser feliz por si  só e encontrar motivos para o ser. _ indagou Anna por trás de seus oclinhos redondos.
                -Eu sei, eu sei. Tenho tentado não pensar nela dessa forma. Tento sempre ver que ela não me é essencial, apenas importante. Mas, ultimamente, as coisas entre nós têm sido tão diferentes de antes. Antes eu podia abraçá-la, podia tocá-la, podia vê-la como eu fazia com as outras pessoas. Coisas normais, de uma forma normal. Hoje, cada vez em que ela me toca, sinto o meu corpo inteiro arrepiar, como se uma corrente elétrica percorresse cada centímetro do meu corpo, como se aquele toque fosse de pura energia. Isso aconteceu pela primeira vez quando nós saímos e estávamos conversando. Não estávamos sozinhas, havia um amigo entre nós. Conversávamos como sempre, rindo e festejando, até que ela encostou na minha perna para me chamar a atenção, nada demais. Mas, assim que os dedos dela tocaram a minha calça, meu corpo inteiro se arrepiou. Senti, pela primeira vez, essa corrente elétrica me invadindo, percorrendo meu corpo desde o ponto em que ela tocou até minha cabeça, peito, braços, pernas. Eu não sabia o que era aquilo. Não tinha nada de sexual ou desejoso naquele toque, ela só queria me chamar a atenção para algo na conversa. Depois disso, mais umas 7 ou 8 vezes em que ela me tocou durante a semana senti novamente a descarga elétrica me atingindo. Eu não sei explicar. Nunca tinha sentido isso antes.  Primeiro eu pensei que poderia ser a energia dela sendo passada pra mim, como se ela também me desejasse. Mas depois pensei que esse era um dos pensamentos que eu usava para me enganar. E continuo sentindo essa pulsação elétrica cada vez que ela encosta em mim.
                Anna anotava algumas coisas em seu caderninho espiralado, me olhando confidente. Eu não tinha nenhum receio ou medo com ela. Simplesmente contava tudo. Sabia que as avaliações dela seriam estritamente profissionais, mas tinha um “que” de amizade naquelas palavras. Ela pontuou alguma coisa na folha e olhou pra mim.
                -Será que essa “energia” que você sentiu não seria algo que você tenha criado para aumentar o vínculo entre vocês? Algo que você tenha criado para que tenha alguma coisa a mais na relação de vocês?
                -Tenho plena certeza que não. Por que eu criaria alguma coisa pra ter algo entre nós se eu nem ao menos comentei com ela sobre isso? Foi uma coisa real, tenho certeza disso. Eu só não sei bem o que é. Pode ser por causa de toda a tensão amorosa que há entre mim e ela, ou só a minha necessidade do toque dela, mas não foi algo inventado. Eu senti aquilo de verdade.
                -E como está a amizade de vocês?
                -Bem, eu acho. Nos encontramos sempre que podemos, saímos, etc. Tento não misturar as coisas, sabe?! Deixo bem claro pra mim que as minhas ações com ela são apenas de amizade, sem nenhuma segunda intenção. Se tiver que acontecer algo, será sem que eu use da nossa proximidade para que aconteça. Não vou ser dessas pessoas que abusam da “amizade” _(pontuei as aspas com meus dedos)_ para criar armadilhas. Minha amizade com ela será sincera, sem nada no meio. Tá, tem algo no meio, mas não é culpa minha. Eu não queria me apaixonar pela minha melhor amiga.
                Me ajeitei na poltrona e respirei. Olhei para Anna esperando alguma coisa, mas ela apenas me olhou, aguardando que eu continuasse.
                -Mas as coisas têm ficado meio estranhas ultimamente. Não com ela, só comigo. Tenho entrado num looping de tristeza, de auto depreciação, como na época em que eu estava totalmente entregue a depressão, sabe?! Cada vez que eu penso sobre nós, a ideia de ter alguma coisa entre nós me parece mais impossível. Eu sempre penso: por que ela não vê que eu sou exatamente aquilo que ela procura? Com tudo o que ela reclama dos relacionamentos anteriores e com os términos, me parece cada vez mais plausível que eu sou a pessoa certa. Sabe, ela sempre reclama que quer que as pessoas olhem pra ela e a vejam, que a vejam de verdade, que as pessoas realmente a amem do jeito que ela é. E eu faço isso. De todos os amigos, de todas as pessoas com quem ela se relaciona mais profundamente, até mesmo as superficialmente, eu sou a única pessoa que não a critica pelo seu jeito, que não fala dela de forma pejorativa, que não pontua os defeitos e faço de tudo para que ela sinta-se incluída em tudo. É, eu não sou a pura perfeição, mas me esforço até onde posso. Ela quer alguém pra poder abraçar toda hora, para dar carinho e ficar perto e sempre reclama que os relacionamentos anteriores não tinha isso porque os caras com quem ela ficava ou namorava não queriam essa coisa meio “chiclete”, entende?! E por que ela não vê que eu quero isso? Que isso é tudo o que eu sempre quis? Poder ficar horas nos seus abraços, perder a noção do tempo com ela, ganhar um abraço apertado sem nem ao menos esperar, um beijo estalado, um carinho surpresa. Por que ela não vê que eu sou a pessoa certa pra ela? Mas depois eu penso se eu realmente sou a pessoa certa pra ela. E com isso meu looping de tristeza só aumenta e eu penso que serei uma pessoa sozinha, solitária, pra sempre. Que não terei ninguém enquanto todo mundo encontra um par.
                -Você sabe que é não tão simples assim. Não é só querer ser a pessoa certa nem achar que você é a pessoa certa. A gente só é a pessoa certa pra alguém quando esse alguém quer que sejamos tal ser. E além do mais...
                -Eu sei, eu sei que não é tão simples. Mas bem que podia ser simples assim, né?! Ela parar pra pensar, ver que sou aquilo que ela procura, ver que é a mim que ela quer pra sempre na vida dela, que seríamos um casal perfeito e BAM! Tudo daria certo. Mas o que eu estou dizendo? Até parece que a minha vida é um filme da Disney. Por que ela ia querer alguém como eu? Sério! Com esse rosto, esse corpo, com... só isso, se ela pode ter alguém imensamente mais atraente?! Ela sim é linda. Um rosto harmonioso, uma pele linda, um corpo apaixonante. Mas nada nela vai superar a risada e os olhos. Nada no mundo será melhor do que ouvi-la rindo, gargalhando. Nenhuma paisagem vai ganhar dos olhos dela, tão profundos, tão belos, tão....dela. Eu, particularmente, a acho o ser mais atraente da história desse mundo. Tudo nela combina. O cabelo, o rosto, a risada, o jeito, as atitudes. A forma como ela dirige, o jeito dela de dormir, a voz. Sabe, sonhei com ela essa noite. Acho que estávamos num bar, ou sei lá onde. Conversávamos. De repente ela se encaixou entre meus braços, passando a mão pela minha cintura, uma mão no meu rosto e me beijou. Eu nunca tinha sonhado com um beijo desses. Nem quando sonho com ela. O beijo foi simplesmente perfeito. Nossas bocas se encontraram de uma forma perfeita, nossas línguas, nossos corpos, nossos olhares. Tudo era perfeito. Lembro-me de ter acordado com uma sensação tão boa, tão... perfeita. Por que isso não acontece?
                -Bom, você sabe que pode ser uma pessoa perfeita pra ela, que suas atitudes se completam e tudo isso que você falou. Mas você tem de se lembrar do ponto mais importante do porque vocês estarem somente na amizade: ela parece não gostar de mulheres, Bárbara. Sim, eu também sei que ela pode se descobrir gostando de você, nós conversamos sobre a sua dúvida e o seu medo e de você achar que ela talvez também sinta alguma coisa por você só que tem medo de assumir isso. Mas, Bárbara... Você não pode querer que ela simplesmente desperte para isso de uma hora pra outra. Ela, às vezes, pode nem sentir isso por você. Acostume-se com a ideia de serem somente amigas. E dê tempo ao tempo. Se for pra ser, será.
                Voltei para casa com a mesma sensação de antes: serei eternamente solitária e sozinha. Mesmo que eu encontre alguém para mim, ninguém jamais será a Connie. E isso é triste até de se pensar. Imagine só de viver.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

~ Lamento

                Sinto que amanhã será um dia fabuloso. Sinto que será, realmente, um dia extraordinário. Sabe aqueles dias de sol de domingo com vento suave de sábado e um cheiro do anoitecer de sexta-feira? Daqueles dias onde é típico sair andando sem pressa, tomando um picolé, vendo as coisas passarem e curtindo o momento? Daqueles dias perfeitos para tudo? Sinto que amanhã será assim. Ah, um dia delicioso.
                Prevejo que, sim, amanhã será um dia épico. Um dia sem falhas, sem atraso, sem pressa. Um dia na medida exata e no tamanho certo, no tempo certo, no peso certo. Daqueles dias onde as folhas parecem até cair mais devagar? Sabe? Quando você senta sem compromisso algum no banco descascado da praça e simplesmente observa as folhas se atirarem de seus galhos e mergulharem lentas e rodopiantes pelo imenso espaço repleto de ar que existe entre a copa da árvore e o chão? Ah, com certeza será um dia desses.
                Tenho certeza que acordarei amanhã sentindo nos músculos relaxados pelo sono perfeito que será um dia magnífico. Daqueles dias de usar chapéu, sabe? De querer se vestir melhor, de se sentir bem, de cumprimentar o vizinho rabugento e sorrir pro vira-lata da esquina e dar bom dia pra árvore. Sabe aquelas manhãs onde tudo parece estar no lugar? Feito comercial de TV, onde o sol brilha forte, o vento está na direção certa, seu cabelo está perfeito e o mundo está sorrindo. Ah, um dia perfeito.
                Vou levantar, espreguiçar languidamente, sorrindo, com os olhos fechados, curtindo o momento, sentindo cada músculo, cada volta do meu corpo se alongar e se preparar para o dia perfeito. Tomar um banho demorado, sem pressa, com muita espuma, cantar cada nota melódica que estiver presa na minha garganta e deixar que a água trafegue livre e fluida pelo meu corpo. Vou curtir a toalha macia e o vapor aconchegante, admirar meu reflexo no espelho e reparar em cada centímetro do meu rosto e gostar do que eu estou vendo. Escovar os dentes sentindo cada nota do gosto de menta, hortelã, do frescor, da limpeza. Vestir minhas roupas como se elas já fizessem partes de mim e sair.
                Quando o dia começa e o sol desponta no horizonte e uma luz da manhã entra tímida pela fresta da minha janela percebo que o dia começou. Acordo ainda embebido no sono, os cabelos emaranhados num forma disforme, os músculos retesados e os olhos inchados do choro da noite anterior. Nem me dou ao trabalho de me espreguiçar. Levanto chutando os chinelos, tomo um banho automático e rotineiro, escovo os dentes roboticamente. Visto a roupa e os sapatos desconfortáveis e me olho no espelho. Queria um dia perfeito, mas o dia anterior ainda deixou seus resquícios de dor e vazio em mim. O amargo do dia anterior não está permitindo que eu deguste nem uma nota da doçura do novo dia. Será apenas mais um dia.
                Mas será apenas mais um dia meu. Os outros não têm culpa da minha noite mal dormida, do vazio que habita dentro de mim, nem da solidão que está abraçada às minhas costas. Por isso visto minha máscara de sorriso, me armo do bom dia simpático e recolho as lágrimas que ainda teimam em espreitar pela saída de seus palácios salgados. Seguro o bolo de mau estar que começa a se formar no estômago e tento esquecer o vazio que está gritando dentro de mim. Saio de casa, percorro o mesmo trajeto, sento na cadeira do serviço e olho pra mesma mesa de sempre. E já não consigo segurar mais o vazio. Ele simplesmente me inunda e eu deixo que ele corra livre pelo meu íntimo.
                Seco rápido as lágrimas, volto ao computador. O dia passa devagar, as horas tiquetaqueiam lentas e os minutos se arrastam. Preencho parte do vazio com a comida do almoço, o doce da sobremesa, o gosto do lanche da tarde, o morno do chá. Ainda visto minha máscara de sorriso, mas atrás dela meu rosto continua deformado pela tristeza eminente e pela solidão amarga. Mas para os outros, o dia está perfeito. E eu não serei a mancha de negrume que vai afastar isso delas.
                Saio do escritório, parto para casa. O mesmo caminho, o mesmo trânsito, o mesmo cinza. Mas o dia ainda está perfeito para os outros. O sol brilha forte, o vento percorre manso pelos cabelos, as folhas ajeitam suas sapatilhas para rodopiar pelo ar, o ar se enche de cheiros bons e os sons parecem estar em uma harmonia perfeita. E nada disso chega em mim. Nada disso consegue fazer a solidão partir ou o vazio se preencher ou as portas do palácio incolor das lágrimas ser fechado.
                Quem sabe se eu pudesse fazer com que os outros ouvissem meu silêncio? Quem sabe se os amigos conseguissem decifrar meus gritos mudos e meus pedidos de socorro? Quem sabe se eu fosse resgatado do imenso nada que me rodeia por um abraço apertado e confidente, por um carinho, um afago, uma lembrança de que não estou sozinho. Eu poderia encontrar a força que me faltava, o sorriso verdadeiro que não tinha pintado, a alegria que estava borrada e que já não servia. Quem sabe? Ah, seria um dia perfeito.

~ Ajuda



Sozinho nesse quarto meus olhos marejados e turvos percorrem o branco de cada parede. Nada mais parece fazer sentido, nada parece valer a pena. Um sentimento imenso de vazio e solidão invadem todo o meu ser, molestam cada célula do meu corpo, cada ponto da minha alma e me embrulham o estômago. O nó que se formou no minha garganta já começa a incomodar trazendo a dor que antes era suportável para mais perto da minha boca e já não consigo mais me conter. Meu choro é banhado em lágrimas tantas e prantos infinitos que salgam os cantos da minha boca aberta e chorosa. Pareço um cão ferido, ganindo quase em silêncio a cada pontada de dor que percorre todo o meu corpo como uma corrente elétrica que começa no meio do coração e corre pelas minhas entranhas e já toma conta de mim. Não consigo parar. Simplesmente não consigo. Abraço minhas pernas movimentando-me para frente e para trás, como se fosse embalado por uma cadeira de balanço meio torta. O queixo rente aos joelhos, os olhos muito abertos e as lágrimas caindo em cascatas sem cor. Meus cabelos já estão mais que desgrenhados pela briga incessante com meus dedos. Minhas costas arqueadas, dobradas e doloridas. E meu choro moribundo. E eu simplesmente não sei de onde veio essa torrente imensa de tristeza e de vazio. Apenas encontrei-a dia desses em mim. E agora ela já possuiu meu corpo, tomou conta da minha mente já cansada, da minha alma fatigada e do meu tempo. Preciso parar de chorar, preciso parar de chorar, preciso. Não consigo entender o porquê de me sentir tão vazio, tão incompleto, tão abandonado.  Abandonado. Vazio. Incompleto. E a tempestade de lágrimas não para. Preciso parar de chorar, preciso parar de chorar, preciso parar, eu preciso... Coloco as mãos na cabeça, tapando os ouvidos numa tentativa inútil de calar as vozes que ecoam na minha cabeça dizendo que eu sou diferente, que estou sozinho, que fui abandonado, que jamais encontrarei um lugar onde me sentirei em casa, protegido, acolhido. E mais pensamentos ruins e sentimentos desastrosos chegam para me fazer companhia no silêncio escuro do quarto. Preciso parar de chorar, preciso parar de chorar. Não consigo. Por que eu não consigo? Me abraço, me aperto, me rodeio. E nada parece resolver. Nada parece realmente adiantar. O sentimento de vazio e de solidão não quer ir embora. Não quero me entregar, mais uma vez, para esse vazio dentro de mim. Passei muito tempo na escuridão e eu não pretendo voltar pra lá. A luz aqui fora é tão brilhante, tão bonita. Não quero. Eu não quero voltar a viver na escuridão. Não quero ter as trevas e o nada como companhia. Não quero voltar pra lá. A marca em meu pulso me faz lembrar os tempos difíceis de solidão, de vazio, do nada. A linha torta e diagonal que percorre uma parte do meu braço me lembra de como era ruim ficar totalmente só, totalmente entregue, totalmente incompleto. Na época a linha me pareceu ser uma saída. Apenas um risco vermelho e tudo iria embora. Mas a linha veio acompanhada de memórias, de lembranças, de família, de fé e de força. Mas agora, sozinho e distante de tudo e de todos, num completo vazio existencial, a antiga linha já me parece ser uma companheira melhor. Ou o bom e velho colar de corda. A altura. O fim. Mas não me parece certo, nunca pareceu. Uma saída simples demais. Preciso continuar, preciso provar a mim mesmo que eu consigo. Mas... e se não? E se eu for somente a força para o outro e nunca para mim? Somente o conselho, a ajuda, o amigo para o outro e nunca para mim? Preciso parar de chorar, preciso parar de chorar, preciso. Acho que preciso de ajuda. Eu preciso de ajuda. Preciso de um abraço sincero e inesperado, que fique grudado em mim por um tempo, sem precisar se soltar, sem precisar ir embora. Somente um abraço. Mudo que for. Ou que venha acompanhado de um “vai ficar tudo bem. Eu estou aqui”. E que continue abraçado a mim num abraço sem fim, só esperando que alguma coisa passe, que alguma coisa mude. Preciso parar de chorar, preciso parar de chorar, preciso.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

~ Eu te amo

- Eu te amo! _ disse o mais velho.
                Estavam deitados no sofá da casa de Vinícius. O móvel era grande, espaçoso, marrom acetinado, macio, confortável. Pela grande janela de vidro dava para ver a pesada chuva que caía sobre o condomínio do garoto. A sala estava iluminada por uma lâmpada, deixando a casa no escuro e o ambiente que abrigava os dois garotos imerso numa meia luz singela.
                Vinícius ficou levemente espantado, mas já esperava ouvir aquilo de uma forma mais amorosa. O namorado não media palavras quando o assunto era sentimento. Sempre falava um "eu te amo" meio perdido entre as frases ou solto em meio às conversas. Mas já tinha ouvido um "eu te amo" vindo dele. Um realmente de amor. Sorriu acariciando os cabelos escuros do mais velho que deixara a cabeça repousar sobre seu peito.
- E por que você me ama?
                André remexeu no colo do namorado. A pergunta o pegou de surpresa. Piscou os olhos algumas vezes e respirou fundo. Sorriu e afagou com carinho o braço de Vinícius.
- Eu te amo porque te conheço bem. Porque já sei de cor cada centímetro cúbico do seu corpo. Porque sei decifrar os códigos secretos que tem em você. Sei que quando você está sem graça você ri sem controle, você fica vermelho e desvia o olhar. Coça o nariz rápido e apoia o queixo, tentando não parecer tão sem graça. E eu adoro ver seu rosto ficar desse jeito. Te amo porque poderia ficar horas em um profundo silêncio ao seu lado e não ficaria desconfortável porque sei que você entenderia meu silêncio e eu o seu. Eu te amo porque quando eu te toco me sinto mais homem, me sito completo, me sinto feliz. Te amo porque você é meu, porque, mesmo depois de tudo, você ainda volta pra mim, porque me abraça forte quando sabe que eu preciso.
                Levantou um pouco a cabeça, agora mirando o namorado. Vinícius tinha os olhos alegres e olhava sorridente para o garoto que se aninhava e seu peito. E continuou.
- Eu te amo porque sei que você gosta de dar carinhos, porque sei que quando você se sente incompreendido e sei quando está incomodado. Te amo porque amo ver cada volta do seu corpo mudar de acordo com seu humor e por poder ser uma das únicas pessoas a reparar nelas. Te amo por saber dos seus gostos e dos seus defeitos e por saber que você sabe dos meus e me aceita mesmo assim, mesmo incompleto. Eu te amo porque sinto que sou o único que te completa e te entende. Porque te conheço de todas as formas e momentos e de todos os pontos e ângulos. Eu te amo por ser, antes de tudo, seu amigo e confidente. Por ser seu companheiro de conversas, de saídas, de planos. Te amo porque te conheço inteiro e, mesmo que não encontre tudo, me aventuro em sua mente de labirinto para tentar conhecer mais. Eu te amo porque poderiam virar o mundo do avesso e jamais poderiam nos explicar o que sentimos um pelo outro ou de nos fazer desistir de nós mesmos. Te amo porque sinto a necessidade de te amar e amo poder te amar.
                Encerrou a declaração com um sorriso emocionado nos lábios. Olhou o namorado que tinha um olhar sério e sereno, mas que sorria agradecido de volta. Depositou nos lábios do amado um beijo simples, doce e completo. Voltou a deitar a cabeça no corpo de Vinícius, enquanto o mesmo voltava a acariciar os cabelos de André de forma calma e carinhosa. Alguns minutos se passaram de forma fluida, enquanto a chuva caia imprecisa pela janela da sala. O silêncio imperava no ambiente, sendo entrecortado pelos suspiros dos dois rapazes que ali estavam. O mais novo rompeu o silêncio.
- Eu também te amo.
                André sorriu timidamente no peito do namorado e perguntou.
-Por que você me ama?
....
.......
- Eu... não sei....

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