Sinto que amanhã será um dia
fabuloso. Sinto que será, realmente, um dia extraordinário. Sabe aqueles dias
de sol de domingo com vento suave de sábado e um cheiro do anoitecer de
sexta-feira? Daqueles dias onde é típico sair andando sem pressa, tomando um
picolé, vendo as coisas passarem e curtindo o momento? Daqueles dias perfeitos
para tudo? Sinto que amanhã será assim. Ah, um dia delicioso.
Prevejo que, sim, amanhã será um
dia épico. Um dia sem falhas, sem atraso, sem pressa. Um dia na medida exata e
no tamanho certo, no tempo certo, no peso certo. Daqueles dias onde as folhas
parecem até cair mais devagar? Sabe? Quando você senta sem compromisso algum no
banco descascado da praça e simplesmente observa as folhas se atirarem de seus
galhos e mergulharem lentas e rodopiantes pelo imenso espaço repleto de ar que
existe entre a copa da árvore e o chão? Ah, com certeza será um dia desses.
Tenho certeza que acordarei
amanhã sentindo nos músculos relaxados pelo sono perfeito que será um dia
magnífico. Daqueles dias de usar chapéu, sabe? De querer se vestir melhor, de
se sentir bem, de cumprimentar o vizinho rabugento e sorrir pro vira-lata da
esquina e dar bom dia pra árvore. Sabe aquelas manhãs onde tudo parece estar no
lugar? Feito comercial de TV, onde o sol brilha forte, o vento está na direção
certa, seu cabelo está perfeito e o mundo está sorrindo. Ah, um dia perfeito.
Vou levantar, espreguiçar
languidamente, sorrindo, com os olhos fechados, curtindo o momento, sentindo
cada músculo, cada volta do meu corpo se alongar e se preparar para o dia
perfeito. Tomar um banho demorado, sem pressa, com muita espuma, cantar cada
nota melódica que estiver presa na minha garganta e deixar que a água trafegue
livre e fluida pelo meu corpo. Vou curtir a toalha macia e o vapor
aconchegante, admirar meu reflexo no espelho e reparar em cada centímetro do
meu rosto e gostar do que eu estou vendo. Escovar os dentes sentindo cada nota
do gosto de menta, hortelã, do frescor, da limpeza. Vestir minhas roupas como
se elas já fizessem partes de mim e sair.
Quando o dia começa e o sol
desponta no horizonte e uma luz da manhã entra tímida pela fresta da minha
janela percebo que o dia começou. Acordo ainda embebido no sono, os cabelos
emaranhados num forma disforme, os músculos retesados e os olhos inchados do
choro da noite anterior. Nem me dou ao trabalho de me espreguiçar. Levanto
chutando os chinelos, tomo um banho automático e rotineiro, escovo os dentes
roboticamente. Visto a roupa e os sapatos desconfortáveis e me olho no espelho.
Queria um dia perfeito, mas o dia anterior ainda deixou seus resquícios de dor
e vazio em mim. O amargo do dia anterior não está permitindo que eu deguste nem
uma nota da doçura do novo dia. Será apenas mais um dia.
Mas será apenas mais um dia meu.
Os outros não têm culpa da minha noite mal dormida, do vazio que habita dentro
de mim, nem da solidão que está abraçada às minhas costas. Por isso visto minha
máscara de sorriso, me armo do bom dia simpático e recolho as lágrimas que
ainda teimam em espreitar pela saída de seus palácios salgados. Seguro o bolo
de mau estar que começa a se formar no estômago e tento esquecer o vazio que
está gritando dentro de mim. Saio de casa, percorro o mesmo trajeto, sento na
cadeira do serviço e olho pra mesma mesa de sempre. E já não consigo segurar
mais o vazio. Ele simplesmente me inunda e eu deixo que ele corra livre pelo
meu íntimo.
Seco rápido as lágrimas, volto
ao computador. O dia passa devagar, as horas tiquetaqueiam lentas e os minutos
se arrastam. Preencho parte do vazio com a comida do almoço, o doce da
sobremesa, o gosto do lanche da tarde, o morno do chá. Ainda visto minha
máscara de sorriso, mas atrás dela meu rosto continua deformado pela tristeza
eminente e pela solidão amarga. Mas para os outros, o dia está perfeito. E eu
não serei a mancha de negrume que vai afastar isso delas.
Saio do escritório, parto para
casa. O mesmo caminho, o mesmo trânsito, o mesmo cinza. Mas o dia ainda está
perfeito para os outros. O sol brilha forte, o vento percorre manso pelos
cabelos, as folhas ajeitam suas sapatilhas para rodopiar pelo ar, o ar se enche
de cheiros bons e os sons parecem estar em uma harmonia perfeita. E nada disso
chega em mim. Nada disso consegue fazer a solidão partir ou o vazio se
preencher ou as portas do palácio incolor das lágrimas ser fechado.
Quem sabe se eu pudesse fazer
com que os outros ouvissem meu silêncio? Quem sabe se os amigos conseguissem
decifrar meus gritos mudos e meus pedidos de socorro? Quem sabe se eu fosse
resgatado do imenso nada que me rodeia por um abraço apertado e confidente, por
um carinho, um afago, uma lembrança de que não estou sozinho. Eu poderia
encontrar a força que me faltava, o sorriso verdadeiro que não tinha pintado, a
alegria que estava borrada e que já não servia. Quem sabe? Ah, seria um dia
perfeito.
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