quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

~ Lamento

                Sinto que amanhã será um dia fabuloso. Sinto que será, realmente, um dia extraordinário. Sabe aqueles dias de sol de domingo com vento suave de sábado e um cheiro do anoitecer de sexta-feira? Daqueles dias onde é típico sair andando sem pressa, tomando um picolé, vendo as coisas passarem e curtindo o momento? Daqueles dias perfeitos para tudo? Sinto que amanhã será assim. Ah, um dia delicioso.
                Prevejo que, sim, amanhã será um dia épico. Um dia sem falhas, sem atraso, sem pressa. Um dia na medida exata e no tamanho certo, no tempo certo, no peso certo. Daqueles dias onde as folhas parecem até cair mais devagar? Sabe? Quando você senta sem compromisso algum no banco descascado da praça e simplesmente observa as folhas se atirarem de seus galhos e mergulharem lentas e rodopiantes pelo imenso espaço repleto de ar que existe entre a copa da árvore e o chão? Ah, com certeza será um dia desses.
                Tenho certeza que acordarei amanhã sentindo nos músculos relaxados pelo sono perfeito que será um dia magnífico. Daqueles dias de usar chapéu, sabe? De querer se vestir melhor, de se sentir bem, de cumprimentar o vizinho rabugento e sorrir pro vira-lata da esquina e dar bom dia pra árvore. Sabe aquelas manhãs onde tudo parece estar no lugar? Feito comercial de TV, onde o sol brilha forte, o vento está na direção certa, seu cabelo está perfeito e o mundo está sorrindo. Ah, um dia perfeito.
                Vou levantar, espreguiçar languidamente, sorrindo, com os olhos fechados, curtindo o momento, sentindo cada músculo, cada volta do meu corpo se alongar e se preparar para o dia perfeito. Tomar um banho demorado, sem pressa, com muita espuma, cantar cada nota melódica que estiver presa na minha garganta e deixar que a água trafegue livre e fluida pelo meu corpo. Vou curtir a toalha macia e o vapor aconchegante, admirar meu reflexo no espelho e reparar em cada centímetro do meu rosto e gostar do que eu estou vendo. Escovar os dentes sentindo cada nota do gosto de menta, hortelã, do frescor, da limpeza. Vestir minhas roupas como se elas já fizessem partes de mim e sair.
                Quando o dia começa e o sol desponta no horizonte e uma luz da manhã entra tímida pela fresta da minha janela percebo que o dia começou. Acordo ainda embebido no sono, os cabelos emaranhados num forma disforme, os músculos retesados e os olhos inchados do choro da noite anterior. Nem me dou ao trabalho de me espreguiçar. Levanto chutando os chinelos, tomo um banho automático e rotineiro, escovo os dentes roboticamente. Visto a roupa e os sapatos desconfortáveis e me olho no espelho. Queria um dia perfeito, mas o dia anterior ainda deixou seus resquícios de dor e vazio em mim. O amargo do dia anterior não está permitindo que eu deguste nem uma nota da doçura do novo dia. Será apenas mais um dia.
                Mas será apenas mais um dia meu. Os outros não têm culpa da minha noite mal dormida, do vazio que habita dentro de mim, nem da solidão que está abraçada às minhas costas. Por isso visto minha máscara de sorriso, me armo do bom dia simpático e recolho as lágrimas que ainda teimam em espreitar pela saída de seus palácios salgados. Seguro o bolo de mau estar que começa a se formar no estômago e tento esquecer o vazio que está gritando dentro de mim. Saio de casa, percorro o mesmo trajeto, sento na cadeira do serviço e olho pra mesma mesa de sempre. E já não consigo segurar mais o vazio. Ele simplesmente me inunda e eu deixo que ele corra livre pelo meu íntimo.
                Seco rápido as lágrimas, volto ao computador. O dia passa devagar, as horas tiquetaqueiam lentas e os minutos se arrastam. Preencho parte do vazio com a comida do almoço, o doce da sobremesa, o gosto do lanche da tarde, o morno do chá. Ainda visto minha máscara de sorriso, mas atrás dela meu rosto continua deformado pela tristeza eminente e pela solidão amarga. Mas para os outros, o dia está perfeito. E eu não serei a mancha de negrume que vai afastar isso delas.
                Saio do escritório, parto para casa. O mesmo caminho, o mesmo trânsito, o mesmo cinza. Mas o dia ainda está perfeito para os outros. O sol brilha forte, o vento percorre manso pelos cabelos, as folhas ajeitam suas sapatilhas para rodopiar pelo ar, o ar se enche de cheiros bons e os sons parecem estar em uma harmonia perfeita. E nada disso chega em mim. Nada disso consegue fazer a solidão partir ou o vazio se preencher ou as portas do palácio incolor das lágrimas ser fechado.
                Quem sabe se eu pudesse fazer com que os outros ouvissem meu silêncio? Quem sabe se os amigos conseguissem decifrar meus gritos mudos e meus pedidos de socorro? Quem sabe se eu fosse resgatado do imenso nada que me rodeia por um abraço apertado e confidente, por um carinho, um afago, uma lembrança de que não estou sozinho. Eu poderia encontrar a força que me faltava, o sorriso verdadeiro que não tinha pintado, a alegria que estava borrada e que já não servia. Quem sabe? Ah, seria um dia perfeito.

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