Imerso em sonhos profundos e de significados constantes, adormeço em
meu leito sagrado. Um sono e um bem estar me acomodam e me sinto completamente
aninhado e seguro, transitando em um mundo completamente meu. Quando menos
espero sinto um raio de sol, quente e aconchegante, invadir minhas pálpebras,
enquanto me desperta de meu sonho sem nem ao menos licença pedir.
Abro os olhos preguiçosamente, languidamente. Me reconforto entre os
cobertores, afastando o frio gostoso e suave que antecipa o despertar. Endireito-me
em meio aos lençóis, estico meus braços e me espreguiço pronto para o que me
aguarda nessa gloriosa manhã.
Ao sair do meu quarto, que para mim é e sempre será meu forte e palácio, deixo-me caminhar pelos tapetas afofados e macios que recobrem a sala, enquanto me dirijo a uma das salas mais preciosas e confusas de que me disponho.
Ao sair do meu quarto, que para mim é e sempre será meu forte e palácio, deixo-me caminhar pelos tapetas afofados e macios que recobrem a sala, enquanto me dirijo a uma das salas mais preciosas e confusas de que me disponho.
O local nada mais é do que um quarto revestido de espelhos de todos os
tamanhos, formatos e cintilâncias. Observo-me entre as molduras, me encontrando
sempre diferente em cada reflexo que os pedaços de espelho me ofertam. Uns
estou mais alto, outros estampando um sorriso amigo, um olhar convidativo, um
brilho em meio ao olhar acastanhado. Até que me deparo com ele: o espelho que
desperta tantas emoções, desejos, angústias e dúvidas.
Observo-me. Olho. Fito a imagem que se forma a minha frente. Primeiro
ele me oferta uma imagem amiga, um eu radiante, acolhedor. Um reflexo. E a
imagem se transforma. Agora sou algo desconexo, um amontoado de pedaços que
quase não faz sentido ou forma. E muda outra vez. Olho pasmo e incrédulo para o
que o pedaço fino de espelho me mostra: uma imagem toscamente caricata,
disforme, ridícula e que se metamorfoseava entre o banal e o pitoresco, mesclando-se
envolta de si mesmo, formando partes horrendas de um mesmo ser formado de ópio
e ao mesmo tempo real.
Meus olhos não querem crer naquilo que fitam. Deixo escapar do fio que
minha boca se tornara um grito horrendo e silencioso, inaudível aos que não
prestavam atenção. Ajoelho-me em meio ao tapete negro, com as mãos na cabeça.
Os olhos banhados por lágrimas aflitas, quentes e ardidas. Nem ao menos pisco,
enquanto sacudo minha cabeça, tentando, em vão, me livrar das imagens e da
cacofonia enojante que escapava dos lábios da figura que ainda teimava em me
observar, desdenhosa e crítica.
Levanto-me em meio aos meus gritos, agora já muito audíveis, avançando
para o espelho. A imagem já não estava mais lá. Os olhos debochados haviam
partido e agora jazia em sua moldura purulenta um vazio.
Volto cansado e destruído para meu quarto. Deito-me novamente na cama,
que me abraça aconchegante, como numa tentativa fraterna de afastar de mim todo
o mal que a imagem refletida havia me causado. Esse sou eu? É assim que aquele
diminuto espelho me via? Era esse o reflexo mais forte que eu havia deixado
marcado no miolo imóvel daquela moldura? Recuso-me a acreditar no mais óbvio e
parto minha mente em duas, tentando encontrar uma saída em meio ao vão que aquela
imagem havia aberto em meu peito.
Por fim fecho os olhos, agora já encharcados de pesadas lágrimas
salgadas. Tento dormir, caminhar para o
meu mundo, me recanto, meu universo. Em vão. A imagem não saia de minhas
memórias, sempre martelando a imagem horrenda e disforme.
Nunca, em nenhum momento da minha vida, eu havia sentido a vergonha e o pesar por ver uma parte daquilo que eu me tornava para um dos espelhos. Em nenhum reflexo eu havia visto criatura mais disforme, sem brilho ou encanto, como se a única coisa que o espelho poderia refletir de mim seria a forma mutante e torta, a balbúrdia de formatos e pedaços. E choro mais uma vez.
Nunca, em nenhum momento da minha vida, eu havia sentido a vergonha e o pesar por ver uma parte daquilo que eu me tornava para um dos espelhos. Em nenhum reflexo eu havia visto criatura mais disforme, sem brilho ou encanto, como se a única coisa que o espelho poderia refletir de mim seria a forma mutante e torta, a balbúrdia de formatos e pedaços. E choro mais uma vez.
Decido, por fim, trancar aquela imagem em mim. Se aquela criatura
horrenda havia nascido de alguma parte perdida do meu ser, meu coração seria
sua prisão ideal. A matéria presa e enclausurada nos corredores sem fim do meu
próprio ser, enquanto buscava nos outros espelhos a aprovação e brilho que eu
tanto tentava emitir. Não permitiria que minhas cores fossem roubadas tão
facilmente.
Entro na sala de espelhos mais uma vez. Passo confiante, sem dirigir um
único olhar ao espelho que havia me sufocado e martirizado momentos antes.
Miro-me no mais brilhante deles e procuro alguma forma. E vejo apenas eu.
Simples e único. Mas repleto de cores, de um calor abrasador e uma luz
verdadeira e acolhedora. Sorrio para a forma como agradecimento por seu
presente e dou as costas para a sala. Retiro-me do aposento espelhado e parto
em busca de novos cacos para colocar em minha sala.
Olho adiante e sigo em frente, enquanto uma lágrima teima em escapulir
de meus olhos, forçada pela força da imagem disforme que agora grita e habita
dentro de mim. E eu nem ao menos desistirei dela. Irei mudá-la ao poucos, até
que ele recupere o brilho e as cores que lhe foram furtadas.
O mais interessante que percebo na evolução da sua escrita é que ela vai agregando cada vez mais valores da sua própria personalidade. Ou seja: rica, profunda e com um olhar diferenciado e especial sobre a vida e os acontecimentos.
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