Sentado em uma de minhas incontáveis poltronas
multicoloridas vejo a imensidão fumegante da mesa a minha frente. Meus olhos
percorrem rápido cada canto da toalha artística cujas cores não têm par algum e
que formam um padrão que vem a adornar a mesa. Olho preguiçosa e rapidamente
para as incontáveis porcelanas que percorrem faceiras o campo quente e
furta-cor. E troco de lugar. Esse já não me agrada mais.
Tomo em minhas mãos ágeis uma xícara refinando a
brancura imensa, cujo interior está mergulhado em um líquido esverdeado e
cheirando a cravo. Beberico parte do adocicado chá, comentando, em meio aos
silvos de uma chaleira borbulhante, sobre minha divagação comparativa entre
seres e formas que nada tem a ver. E me lembro da menina loura e miúda que me
acompanha nesta tarde.
Encarapitado em minha cabeça, uma cartola repousa
majestosa e imponente. Um das minhas mais belas criações. Gostaria de ter mais
tempo para voltar a me dedicar ao meu ofício. Costurar e remendar chapéus de
todos os tipos, cores e formatos. Transpassar minha agulha pelo tecido, como um
cavaleiro perfurando a carne com sua espada afiada. E fazer de um pedaço inerte
de pano, uma criação vívida e única.
E me desmancho numa melancolia interna e escondida,
lembrando do fatídico dia em que perdi meu precioso tempo para a Rainha. Devo
ter perdido parte da pouca sanidade que possuía naquele dia. Sem falar no pesar
que carrego por ver minha eterna companheira enlouquecer comigo.
Ela está apenas a 2 poltronas de distancia da minha,
mas nossa real distância parece aumentar cada dia mais. Presos nessa mesma casa
de horas, espetados no alto desse monte, vendo o vento levar lembranças e
jamais levar dias. E mudo outra vez. Parece que essa poltrona já esta dura.
Agora observo um líquido frio cor de capim-cerrado e
beberico o aroma de amoras frescas e sabor de mel. Giro meus olhos coloridos
enquanto acompanho as espirais de fumaça pelo ar. Dois irmãos que partilham
casas visinhas: um marejado de um azul profundo e cintilante e o outro pintado
de um vermelho eterno de Copas.
Oferto para minha amiga um bolo em forma de nada,
com camadas de todas as cores. Comemoramos hoje mais uma data especial que nem
ao menos é um aniversário, nem tão pouco o Ano Novo. Ela sorri um sorriso quase
insano e assopra as inúmeras velas, fazendo o bolo se desmanchar em purpurina.
Logo mais é ela quem me oferece um bolo cândido e alegre em formato de cartola,
do qual eu retiro uma fita bonina imersa em linhas e pontilhados, explodindo o
mesmo em centelhas vivas que rodopiam no ar em verde e vermelho.
E mudo e giro e troco de lugar. E a cor da qual
disponho é um amarelo-batido cheirando a pimenta do reino e alecrim dourado.
Queria tomar mais chá, queria fazer chapéus, queria mudar de lugar quando
achasse que me fosse conveniente. Mas estou preso entre os ponteiros, na
eternidade de quem toma chá e na loucura de quem faz chapéus. Um Chapeleiro
Louco, se assim preferir.
Certamente a menina loura está mais entretida que
meu amigo arganaz que ressona profundamente em seu lugar. Observo as longas
orelhas marrons de minha eterna amiga e me pergunto o que se passará em suas
caraminholas já perdidas na imensidão de seu transloucado labirinto mental. E
já me entristeço, querendo que o tempo passe de verdade e nós possamos
novamente percorrer os campos junto ao Gato, colhendo amêndoas ou cantando
nossas próprias melodias desritmadas.
Almejando aquilo de que nada sei e desprezando tudo
de que não possuo, entrego a minha convidada que não convidei uma charada louca
e sem resposta. Levanto languidamente minha xícara de asa quebrada e ofereço: “Mais
chá, Lebre de Março?”.
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