segunda-feira, 13 de agosto de 2012

~ Olhos coloridos

          Sentado em uma de minhas incontáveis poltronas multicoloridas vejo a imensidão fumegante da mesa a minha frente. Meus olhos percorrem rápido cada canto da toalha artística cujas cores não têm par algum e que formam um padrão que vem a adornar a mesa. Olho preguiçosa e rapidamente para as incontáveis porcelanas que percorrem faceiras o campo quente e furta-cor. E troco de lugar. Esse já não me agrada mais.
Tomo em minhas mãos ágeis uma xícara refinando a brancura imensa, cujo interior está mergulhado em um líquido esverdeado e cheirando a cravo. Beberico parte do adocicado chá, comentando, em meio aos silvos de uma chaleira borbulhante, sobre minha divagação comparativa entre seres e formas que nada tem a ver. E me lembro da menina loura e miúda que me acompanha nesta tarde.
Encarapitado em minha cabeça, uma cartola repousa majestosa e imponente. Um das minhas mais belas criações. Gostaria de ter mais tempo para voltar a me dedicar ao meu ofício. Costurar e remendar chapéus de todos os tipos, cores e formatos. Transpassar minha agulha pelo tecido, como um cavaleiro perfurando a carne com sua espada afiada. E fazer de um pedaço inerte de pano, uma criação vívida e única.
E me desmancho numa melancolia interna e escondida, lembrando do fatídico dia em que perdi meu precioso tempo para a Rainha. Devo ter perdido parte da pouca sanidade que possuía naquele dia. Sem falar no pesar que carrego por ver minha eterna companheira enlouquecer comigo.
Ela está apenas a 2 poltronas de distancia da minha, mas nossa real distância parece aumentar cada dia mais. Presos nessa mesma casa de horas, espetados no alto desse monte, vendo o vento levar lembranças e jamais levar dias. E mudo outra vez. Parece que essa poltrona já esta dura.
Agora observo um líquido frio cor de capim-cerrado e beberico o aroma de amoras frescas e sabor de mel. Giro meus olhos coloridos enquanto acompanho as espirais de fumaça pelo ar. Dois irmãos que partilham casas visinhas: um marejado de um azul profundo e cintilante e o outro pintado de um vermelho eterno de Copas.
Oferto para minha amiga um bolo em forma de nada, com camadas de todas as cores. Comemoramos hoje mais uma data especial que nem ao menos é um aniversário, nem tão pouco o Ano Novo. Ela sorri um sorriso quase insano e assopra as inúmeras velas, fazendo o bolo se desmanchar em purpurina. Logo mais é ela quem me oferece um bolo cândido e alegre em formato de cartola, do qual eu retiro uma fita bonina imersa em linhas e pontilhados, explodindo o mesmo em centelhas vivas que rodopiam no ar em verde e vermelho.
E mudo e giro e troco de lugar. E a cor da qual disponho é um amarelo-batido cheirando a pimenta do reino e alecrim dourado. Queria tomar mais chá, queria fazer chapéus, queria mudar de lugar quando achasse que me fosse conveniente. Mas estou preso entre os ponteiros, na eternidade de quem toma chá e na loucura de quem faz chapéus. Um Chapeleiro Louco, se assim preferir.
Certamente a menina loura está mais entretida que meu amigo arganaz que ressona profundamente em seu lugar. Observo as longas orelhas marrons de minha eterna amiga e me pergunto o que se passará em suas caraminholas já perdidas na imensidão de seu transloucado labirinto mental. E já me entristeço, querendo que o tempo passe de verdade e nós possamos novamente percorrer os campos junto ao Gato, colhendo amêndoas ou cantando nossas próprias melodias desritmadas.
Almejando aquilo de que nada sei e desprezando tudo de que não possuo, entrego a minha convidada que não convidei uma charada louca e sem resposta. Levanto languidamente minha xícara de asa quebrada e ofereço: “Mais chá, Lebre de Março?”.

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