O sol ainda não havia raiado
quando a silhueta da garotinha começou a fazer forma no horizonte. A pequena
Cora andava pela orla da floresta naquela noite, espairecendo os pensamentos.
Árvores muito velhas e tortas costuravam o chão com suas raízes distorcidas,
enquanto as mais novas (que já não eram tão novas) balançavam seus galhos
despidos e com poucas folhas sob o sabor do vento da madrugada.
A floresta ficava encarapitada
no alto do monte que fazia divisa com o quintal da casa da menina. Era um chalé
simpático, de dois andares e ladeado de grandes e finas janelas azuis. Era
feita de madeira forte e elegantemente trabalhada, pintada de um verde-pérola
tímido, com alguns arbustos cobertos de “Não-me-esqueças”. Cora sempre ria
consigo mesma ao olhar para as diminutas flores azuis e nunca lembrar o nome
delas.
O jardim concêntrico era repleto
de um verde vivo pintado aqui e ali por algumas rosas selvagens e sempre-vivas,
enquanto 2 árvores formavam portal na entrada da propriedade. Um portão de
ferro assumia, imponente, o lugar de guardião do local, enquanto cercas de
madeira pintada fazia uma ciranda circundando o território.
Na próxima semana a garota
completaria 17 anos. Seu pai havia planejado uma grande festa no jardim para
comemorar com os amigos e parentes. Um bolo de 3 andares com cobertura de
chocolate e glacê havia sido encomendado. Cora já tinha, inclusive, pedido que
alguns morangos enfeitassem o castelo de massa escura e deliciosa. Mas parece
que nem tudo seria perfeito . Se o que fora planejado para ela realmente
acontecesse, a garota estaria morta em breve.
Cora não dormia bem fazia algum
tempo. Por algum motivo que ela não sabia qual, sonhos estranhos chegavam até ela
à noite como se fossem entregues pelo inferno. Em todas as noites, por longos 3
meses, a garota sonhava sem cessar com mão escuras e muito finas segurando seu
corpo, enquanto uma boca escancarava dentes pontiagudos no alto do escuro
inerte que formava o local do pesadelo. Antes que a boca a alcançasse, os olhos
se abriam, o corpo se levantava pela metade na cama macia e o suor escorria
frio pelo rosto. O coração era um tambor de guerra que batia descompassado e
rápido feito raio. Assustada e sozinha voltava a deitar-se. E sonhava de novo.
Quando voltou para seu quarto, o
relógio cumprimentou-a com o badalar das 4 da manhã. Deitou-se e tentou dormir.
Mal fechara os olhos e o sonho já havia começado. Mas alguma coisa estava
errada. As mãos estavam apertando demais dessa vez. Abriu, de repente, os olhos
e percebeu que não tinha dormido. Mas a sensação do aperto não passou. Olho de
relança para o corpo inerte e vomitou um grito de horror. As mãos ainda a
apertavam.
As sombras do quarto estavam se
mexendo, formando mãos de penumbra em volta da menina, enquanto ela se
contorcia e gritava tentando se livrar do que quer que fosse aquilo. E uma voz
sem boca sussurrou uma canção de ninar: _Morra, gentil menina. Apenas seja
levada. Morra em silêncio. Seja levada.
Cora chorou e gritou o mais alto
que podia. Tentava se livrar das mãos negras com toda a sua força. E a porta se
escancarou com um barulho surdo. A luz se acendeu, enquanto os pais passavam
correndo pelo quarto até a filha assustada e branca feito um fantasma. Já não
havia mais mãos ou voz ou maldições. Apenas o medo e a confusão.
Abraçou os pais e chorou
novamente. Ela não dormiu novamente naquela noite. Passou o resto da madrugada
agarrada ao colo da mãe sonolenta e ao lado de um pai confuso e dorminhoco. O sol
finalmente raiou. O dia começara.
~ Continua
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