terça-feira, 18 de dezembro de 2012

~ Cora, parte 1

                O sol ainda não havia raiado quando a silhueta da garotinha começou a fazer forma no horizonte. A pequena Cora andava pela orla da floresta naquela noite, espairecendo os pensamentos. Árvores muito velhas e tortas costuravam o chão com suas raízes distorcidas, enquanto as mais novas (que já não eram tão novas) balançavam seus galhos despidos e com poucas folhas sob o sabor do vento da madrugada.
                A floresta ficava encarapitada no alto do monte que fazia divisa com o quintal da casa da menina. Era um chalé simpático, de dois andares e ladeado de grandes e finas janelas azuis. Era feita de madeira forte e elegantemente trabalhada, pintada de um verde-pérola tímido, com alguns arbustos cobertos de “Não-me-esqueças”. Cora sempre ria consigo mesma ao olhar para as diminutas flores azuis e nunca lembrar o nome delas.
                O jardim concêntrico era repleto de um verde vivo pintado aqui e ali por algumas rosas selvagens e sempre-vivas, enquanto 2 árvores formavam portal na entrada da propriedade. Um portão de ferro assumia, imponente, o lugar de guardião do local, enquanto cercas de madeira pintada fazia uma ciranda circundando o território.
                Na próxima semana a garota completaria 17 anos. Seu pai havia planejado uma grande festa no jardim para comemorar com os amigos e parentes. Um bolo de 3 andares com cobertura de chocolate e glacê havia sido encomendado. Cora já tinha, inclusive, pedido que alguns morangos enfeitassem o castelo de massa escura e deliciosa. Mas parece que nem tudo seria perfeito . Se o que fora planejado para ela realmente acontecesse, a garota estaria morta em breve.
                Cora não dormia bem fazia algum tempo. Por algum motivo que ela não sabia qual, sonhos estranhos chegavam até ela à noite como se fossem entregues pelo inferno. Em todas as noites, por longos 3 meses, a garota sonhava sem cessar com mão escuras e muito finas segurando seu corpo, enquanto uma boca escancarava dentes pontiagudos no alto do escuro inerte que formava o local do pesadelo. Antes que a boca a alcançasse, os olhos se abriam, o corpo se levantava pela metade na cama macia e o suor escorria frio pelo rosto. O coração era um tambor de guerra que batia descompassado e rápido feito raio. Assustada e sozinha voltava a deitar-se. E sonhava de novo.
                Quando voltou para seu quarto, o relógio cumprimentou-a com o badalar das 4 da manhã. Deitou-se e tentou dormir. Mal fechara os olhos e o sonho já havia começado. Mas alguma coisa estava errada. As mãos estavam apertando demais dessa vez. Abriu, de repente, os olhos e percebeu que não tinha dormido. Mas a sensação do aperto não passou. Olho de relança para o corpo inerte e vomitou um grito de horror. As mãos ainda a apertavam.
                As sombras do quarto estavam se mexendo, formando mãos de penumbra em volta da menina, enquanto ela se contorcia e gritava tentando se livrar do que quer que fosse aquilo. E uma voz sem boca sussurrou uma canção de ninar: _Morra, gentil menina. Apenas seja levada. Morra em silêncio. Seja levada.
                Cora chorou e gritou o mais alto que podia. Tentava se livrar das mãos negras com toda a sua força. E a porta se escancarou com um barulho surdo. A luz se acendeu, enquanto os pais passavam correndo pelo quarto até a filha assustada e branca feito um fantasma. Já não havia mais mãos ou voz ou maldições. Apenas o medo e a confusão.
                Abraçou os pais e chorou novamente. Ela não dormiu novamente naquela noite. Passou o resto da madrugada agarrada ao colo da mãe sonolenta e ao lado de um pai confuso e dorminhoco. O sol finalmente raiou. O dia começara.
~ Continua

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