sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

~ Cores verdadeiras

E, enfim, eu parei de me desesperar por tudo que vinha de você. Para mim, no início, podia parecer bem desesperador mas eu realmente não me importo tanto quanto já me importei. Já não sinto necessidade de me drogar com meus pensamentos sobre você, com minhas ilusões sobre você. Já não quero mais me envenenar com o líquido quente que eram os sonhos que vinham com sua presença e nem preciso tanto de ouvir sua voz ou ver seu rosto ou ler sobre você. Isso já passou.
Houve um tempo em que cada esquina de sonho era você, em que cada suspiro tinha seu nome, que cada lágrima vinha batizada com um momento seu e que cada segundo tiquetaqueado no relógio emergia com seus olhos embebidos em saudade. Houve um tempo de amor puro, sincero, leal, verdadeiro e desesperador. Um tempo de entrega total e absoluta. Um tempo de um eco surdo, mudo e vazio. Um tempo que eu já não quero mais. Passou.
Eu te amei. Te amei de verdade. E não serei hipócrita e dizer que já não te amo mais. Ainda te amo, mas não com a mesma intensidade, não com o mesmo desejo, não com o mesmo amor. Passei tempo demais submerso no abismo gelado que foi o seu coração que acabei me acostumando com as feridas dos sopros gelados que eu recebia, com os cortes finos e profundos que eu colecionava de suas estalactites e estalagmites tantas. E congelei. Mas isso passou.
Hoje, enfim, consigo olhar para trás e ver que as cores que te pintei eram mais azuis e mais vivas do que imaginava. Mas essas cores vivas eram incapazes de surtirem qualquer efeito na sua tela que parece possuir a profundidade de um pires. Distribuí gratuitamente minhas cores, minhas pinceladas, minhas tintas. Entreguei cada pedaço de mim, cada gota de inspiração e de vida que poderia haver dentro do meu pote chamado “eu”. E, ao olhar com mais cuidado, percebi que sua tela era imensamente porosa, tragando tudo para si e vertendo um massivo, desbotado e absurdo "nada". E já não sei se as poucas cores que obtive de sua pintura em mim eram reais, se eram suas, se eram sinceras. Passou.
Olhei em volta. Agora que reparei: as minhas próprias telas estavam inacabadas e manchadas. As cores de outrora não haviam sido retocadas e desbotavam com o passar do tempo. Miro meus pincéis paras as telas esquecidas e começo a repintá-las. Já que não tenho mais tanta necessidade de gastar minhas tintas e minhas cores e meus brilhos com sua tela e poderei, enfim, repintar as minhas. Gastarei cada nuance de púrpura, cada tom de vermelho e cada escala de cor da qual disponho para pintar minhas próprias telas e ofertar essas cores tantas para quem realmente se interessar e para quem conseguir ver as minhas cores verdadeiras.
Pensei, por um tempo, que eu seria capaz, que eu era capaz de ver as suas verdadeiras cores. De ver as suas cores de verdade, as suas cores reais. Aquelas que você ainda não teria tido coragem, ou talvez oportunidade, de mostrar a mais ninguém (ou talvez não tenham tido paciência nem carinho suficiente para olhá-las e reparar). Mas, pelo visto, me enganei. Parece que a única coisa que consegui de você foi um céu poeirento, uma luz ocre com uma gota singela e minúscula de tinta, que talvez tenha escapado sorrateira do pote. E decidi aceitá-la.
Bom, se foi tudo que você conseguiu doar a mim, usarei-a para terminar sua obra eternamente inacabada. Darei a última demão com essa gota no seu retrato de memória e o guardarei. Quando, enfim, tiver terminado as minhas telas e minha galeria estiver sepultada sob o céu escarlate do fim, tentarei olhar com carinho para cada tela. Tenho certeza que a sua, que antes vomitava cânticos de maldição e vazio de tudo, poderá cantar um brilho prata de esperança. E poderei perceber que valeu a pena.
Mas, por hora, não irei me ater a essas cores, a essa tela ou a esse brilho de futuro inacessível. Continuarei a não me embebedar de você. Continuarei a não tomar nenhuma dose sequer do licor amargo que eu teimava em adoçar. E se eu sentir novamente as malditas borboletas pintadas com suas cores desbotadas batendo asas salientes pelo meu estômago tratarei de colocá-las de volta no seu sono profundo de crisálida. Elas que pintem o meu interior com suas cores outra hora. Quando suas asas estiverem finalmente prontas.
Quem sabe não poderemos repintar o seu quadro? Mas desta vez deixarei os pincéis descansarem. Eles devem estar prontos para parirem a vida quando as suas cores verdadeiras estiverem prontas.

Um comentário:

  1. "Parece que a única coisa que consegui de você foi um céu poeirento, uma luz ocre com uma gota singela e minúscula de tinta, que talvez tenha escapado sorrateira do pote. E decidi aceitá-la."

    Eu amei esse trecho com todo o meu coração. ALiás, toda a metáfora do texto é linda, clara e intensa.
    O seu estilo transmite TANTO da sua personalidade... Fico feliz por você escrever textos tão seus, tão maravilhosos e incríveis quanto você. Daria o mundo pra saber no que você estava pensando quando escreveu esse.

    <3

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