Alguma coisa está errada. Os dias passam mais devagar,
os ventos não mudam de direção ou de intensidade. Tudo parece meio morno
demais, meio vago demais, meio pesado demais. Sinto que alguma coisa se quebrou
dentro de mim e simplesmente não consigo saber o que é ou seguir os cacos do
que quer que seja ou rastejar pelo espaço vazio que antes teria algo inteiro que
não sei o que é.
Abraço-me num gesto solitário tentando encontrar o
frágil apoio que me sustentava e já não sinto os pés tocarem em nada balançando
sozinhos pelo espaço vago sentindo o bafo frio do vazio e respiro e grito e
gemo e não ouço enquanto perco o fôlego. Respiro. Sustento o ar e me sustento
no ar. E não descubro o que está errado, nem o que está faltando. Só sinto os
cacos daquilo que quebrou dentro de mim.
Remonto as memórias, procuro pelas histórias e pelos
furos, tentando encontrar qualquer pista do que poderia estar quebrado, do que
poderia ter feito sabe-lá-o-que ter quebrado. Nem mesmo dor consigo sentir. Apenas
o mormaço quente do tédio e da sensação de ter me acostumado com a dor dos
cacos perdidos me alfinetando e rasgando as entranhas.
Recosto minha cabeça
no vidro da janela e observo a cidade sepultada sob um céu vermelho com pesadas
nuvens de lápides. Meus olhos percorrem a imensidão acinzentada e nada encontro
de cor para poder banhar meu dia e costurar os espaços vagos que habitam em
mim. Nem mesmo as lágrimas veem brindar meu sofrimento mudo, nem tremores nem
soluços me fazem companhia. E sinto uma mescla disforme de sentimentos, que
valsam entre o medo e a solidão de mãos dadas com a dor que já não sinto e com
as razões que me forcei a ter. Parece que nada mais importa.
O que farei para ter
meu céu banhado de pássaros? O que terei que fazer para conseguir apreciar
novamente as cores de um campo incendiado de girassóis? O que quebrou em mim e
o que eu tenho que consertar para poder pintar em meu olho o mesmo mundo que eu
vivia, tão cheio de cores, de sonhos, de cheiros, de risos, de festas, de mim? Poderei
passear comigo mesmo pelos jardins do meu eu? E como poderei fazer isso se algo
falta? Se falta a chave, a maçaneta, o buraco da porta, a entrada? Tantas indagações
e nenhuma resposta. E nenhuma estrada.
Decido embrenhar-me
nessa mata fechada de solidão, enfrentando qualquer quimera e qualquer tormenta
que possa vir me ameaçar e tentar impedir minhas descobertas. Fecho os olhos
enterrando o mundo exterior e mergulho em uma cova sem fim, como uma toca de
coelho funesta banhada em escuridão. E me deparo com um imenso vazio vomitando
trevas. Mas preciso encontrar novamente minha luz. E parto sem rumo para o meu
próprio interior, sem nem ao menos saber o que vou encontrar. Só sei que
preciso... e que vou aonde quer que eu tenha de ir...
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