domingo, 14 de julho de 2013

~ Realidade

Enquanto caminho despreocupadamente pela orla da praia, me deparo com o por do sol recheado de lembranças e de cores. Paro. Observo. Contemplo. Encontro um banco de madeira avermelhada e mordiscada pelo tempo. Sento-me. Espero.
Enquanto meus olhos percorrem, sem nada ver, aquele espetáculo de cores quentes e frias, de um amarelo ouro casado com o alaranjado típico do fim da tarde e das veias do outono que tingem a tela azulada do começo do crepúsculo, repenso metade de minha vida e de meus momentos mais recentes.
O começo do momento crepuscular está exatamente de frente para mim, mas meus olhos semiabertos enxergam algo que está bem além daquilo e que se espalha muito além das cordilheiras dos níveis mais altos do oceano. Meu olhar se perde nos fios de memória que estão sendo tecidos em minha mente. Pisco algumas vezes. Respiro. Espero.
E nesta meditação me encontro pensando em coisas que jamais aconteceram, mas que são minhas mais preciosas memórias. O primeiro beijo com meu antigo amor que jamais aconteceu, nosso casal de filhos que jamais nasceram, nosso casamento que nunca se concretizou, nossos anos de namoro que nunca existiram. Me recordo do meu primeiro passeio montado num dragão, do meu primeiro voo conduzido por fortes ventanias e pelas infindáveis batalhas que duelei para defender o castelo. Memória de sonhos. Sonhos de vidas passadas? Devaneios.
Sorrio pra mim mesmo contemplando minhas loucuras. Sacudo a cabeça, meneando-a pro lado. Pisco um par de vezes e começo a me recordar de coisas reais. E sou invadido por uma felicidade sem precedentes. O meu primeiro beijo real, a sensação do primeiro estalar de lábios, a sensação do contato com o outro corpo e o susto e emoção momentâneas que vieram tão absurdamente recheados de euforia e confusão. Lembro-me, então, do meu primeiro dia no haras, da primeira vez que cavalguei aquela égua negra gigantesca que tanto me encantava, na sensação do vento nos meus cabelos soltos e no cheiro da grama molhada invadindo minhas narinas enquanto galopava pela colina verde do sítio. E me recordo das tardes agradáveis e barulhentas que tive com amigos ao redor de uma mesa, alguns papéis, infinitos dados, lápis, borrachas e livros com figuras e cálculos e histórias fantasiosas.
Me pego, enfim, pensando em quanto tive sorte nessa vida. Em como tantos outros não foram agraciados com a facilidade de se ter um coração bom, uma família sólida e amigos verdadeiros. Começo então a filosofar com coisas mais profundas, com coisas mais minhas e somente minhas. Como as coisas podem ser tão diferentes de pessoa pra pessoa? Como podem existir um sem números de universos diferentes em um único mundo? Como é discrepante a diferença e distância entre as pessoas, entre os mundos, entre os “universos particulares” e suas particularidades! Uns com tanto e outros com tão pouco e uns com tanto mas com nada ao mesmo tempo e outros com tão pouco mas com muito e com o suficiente. Um número absurdamente grande e infinito e perspectivas em uma única cena. Essa vida é muito estranha.
Chego então num canto estranho da minha mente. E encontro uma questão que até então perdido em meios aos meus botões e borbotões, sequer havia pensado: quantos corações eu despedacei e quantos despedaçaram o meu? Será que eu fui a paixão escondida e secreta de alguém? Será que alguém já me amou em segredo? Me amou tanto a ponto de sentir-se sufocado, de chorar a noite pensando no possível amor impossível? E será que eu não reparei sequer uma vez no olhar brilhante e na presença arrebatadora de tal ser? Como se sentiu a primeira garota que entregou seu coração em forma de bilhete quando eu, sem saber o que sentia ou como reagir, devolvi com pesar o cartão pedindo desculpas por não corresponder? Como ficou esse pobre coração?
Matuto então em quantas vezes eu entreguei secretamente meu coração, em quantas vezes amei escondido e em quantas vezes segreguei tal sentimento dentro de mim. Penso nas noites que passei em claro apenas admirando uma foto, em quantas manhãs acordei sorrindo somente por ter sonhado algo bom com o alvo de minha paixonite secreta e em quantos pedaços meu coração se desfez cada vez que via que seria algo impossível sem saber que poderia ser possível. Quantas pessoas foram? Me recordo de cada nome, de cada rosto, de cada cheiro. Foram poucas as quais me entreguei inteiro, que entreguei verdadeiramente meu coração. Uma, em especial. E como quis me entregar de novo pra outra pessoa e fui largado pra trás como uma marionete velha e sem cordas.
Mas, será que alguma vez eu fiz algo parecido com outra pessoa? Será que eu fui alvo de ódio, da raiva, das lágrimas de alguém? Penso nisso e isso me assusta. Ser um dos seres que tanto xinguei e que incessantemente chorei durante as noites entregue aos fios prateados das lágrimas parece-me completamente angustiante e desesperador.
E começo numa linha que termina num círculo, obviamente, sem fim. Quantas vezes fui enxergado como um amigo falso, como um alguém ausente, injusto, grosseiro, mau, cruel ou alguém a ser odiado? Será que alguém já falou de como eu sou hipócrita, duas caras, detestável, nojento ou falou mal do mim? E será que alguém já falou que secretamente me amava, que eu fui um bom amigo, alguém que tenha me defendido e eu jamais fiquei sabendo? Será que alguém já me descreveu como alguém que jamais desferiu uma palavra de pouco afeto a alguém ou como um amigo maravilhoso ou uma ótima pessoa, uma pessoa iluminada ou me engrandeceu sem eu ao menos imaginar? Ou que já tenha falado coisas hediondas e completamente desagradáveis sobre mim?
Tantas dúvidas, tantos “se’s”, tantos caminhos que poderiam ser percorridos, tantas visões diferentes de um mesmo instante, de uma mesma pessoa, de um mesmo lugar. Como saber de tudo? Como sentir tudo, conhecer a todos, agradar a todos? “Impossível”, já penso de imediato.
Levanto o olhar e vejo o sol deixar a praia. A imensa bola alaranjada já está no fim. Seus raios já não tão quentes e de um alaranjado em degrade tão morno e distante já se esvai, dando lugar pra imensidão arroxeada e azul do início da noite, que chega com seu manto frio, abraçando a todos com seu hálito banhado em estrelas, como pequenas aranhas de luz pregadas no teto.
Me levanto, deixando a belíssima visão para trás. Um belo quadro, um esplendoroso espetáculo que ficou ofuscado pela enxurrada de memórias e perguntas. E, no final, quase nenhuma resposta. A única certeza que tive ao abandonar o banco de madeira para trás foi que, com certeza,  
a vida é muito mais do que a realidade.

Um comentário:

  1. I like that. Me identifiquei pra caramba... e quantas vezes perdi horas do meu dia pensando em cada uma das coisas que vc aqui descreveu, e quantas noites de sono perdi pensando nos "se's" da minha vida... amei Preto.

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