Já começarei dizendo que o que quer que tenha acontecido comigo, não
foi culpa de ninguém. A não ser, é claro, de mim mesmo. Era eu quem estava
errado o tempo inteiro, era eu quem confundia, quem esperava demais e era eu
quem fazia demais. Nenhum de você tem absolutamente nenhuma culpa do que
aconteceu comigo. Queria poder me despedir de cada um de vocês, dar um abraço
em cada um, beijar cada um e dizer a cada um que fiz o quanto pude e por quem
consegui. Mas não teria forças para tal e nem queria me prender mais por aqui.
Já passou da hora de eu me despedir disso tudo e deixar que todos continuem com
suas vidas sem me ter como peso. Despeço-me de vocês com certa vergonha. Depois
das duas linhas que há muito desenhei nos meus pulsos e da súbita mudança de
planos que me manteve aqui, hoje me vou covardemente para o outro lado. Dessa
vez não terão falhas ou mudanças bruscas de pensamento, não terão lembranças
boas nem memórias que me darão força. Já esgotei toda a minha cota de autoajuda
da qual eu dispunha. Usei cada fragmento de força que tinha, cada pedaço de
chão e agora já não tenho mais nada. Passei grande parte da minha vida me
escondendo das pessoas e sofrendo com o que elas me causaram, sempre pensando
que nada daquilo mudaria. Depois que eu me modifiquei e consegui, finalmente,
sair do meu refúgio de medos e de trevas, finalmente pude caminhar pela luz. Você
pode ver, mamãe? Eu consegui fazer amigos. Eu que nunca os tive e que era
facilmente descartado mesmo sem nunca ter dirigido a ninguém uma palavra de
pouco afeto. Viu que eu, que antes era um completo rejeitado e motivo das mais
diversas piadas e ofensas, consegui conquistar amigos? Eu consegui, mãe. Mesmo
que por tão pouco tempo, mas eu os fiz, finalmente. Queria dizer ao meu pai que
tanto batalhou por mim, que me defendia e que muitas vezes não nos entendíamos,
que eu fiz o que ele sempre me dizia. Você viu, papai? Viu como eu me levantei
e encarei as pessoas? Viu como eu me tornei mais forte e cada dia mais
corajoso? Eu consegui, pai. Consegui me
por de pé e caminhar, mesmo ferido. Queria dizer aos meus irmãos que eles foram
minha força e minha alegria por muito tempo. Puderam notar o quanto eu cresci?
Que eu já não ficava tanto de cabeça baixa? Queria deixar as lembranças que
cultivei e minhas vitórias (repararam o quanto eu deixei de chorar?) para minha
família. Queria que vocês pudessem se lembrar de mim como eu fui e não do que
me tornei nesse fim de caminho. Queria que lembrassem de mim como o irmão mais
forte e mais frágil, como o que sempre sorria e sabia ouvir, e como o que não
tinha medo das mudanças e parecia ser sempre tão seguro. Transmitam essa
mensagem, se puderem, aos meus amigos. Digam a eles que eu os amei e que me
desculpassem por não ter me despedido apropriadamente. Saibam, também, que eu
finalmente encontrei alguém para amar. Encontrei pessoas que eu pude, finalmente, amar (mesmo que eu, talvez, não saiba bem o significado real dessa palavra nem mesmo se foi isso que eu realmente senti). Foi por esse amor que eu removi
minha armadura e fragilizei minha concha já tão endurecida. Mas, mesmo assim, creio que valeu a pena ter saído da minha concha e ter me arriscado no mundo lá fora. Ainda acho que, mesmo voltando para a mesma concha retorcida e fria com os mesmos machucados de sempre, os raios de sol que colhi enquanto estive lá fora valeram um pouco a pena. Foram esses raios de sol que me aqueceram durante os frios invernos que açoitavam meu coração e iluminaram com sua luz fraca os momentos de completa escuridão que eu vomitava. Peço perdão pelos meus erros e pelas minhas
tantas falhas, mas eu tentei de verdade. Tentei ser o melhor que poderia ser
até o final. Tentei não ser tragado pela tempestade dos outros, tentando trazê-los para minha calmaria, mas uma hora ou outra eu sabia que minhas raízes não seriam fortes o suficiente para me manter grudado ao chão e eu seria puxado para dentro daquele turbilhão mais uma vez. Desejo que vocês possam ser mais fortes do que eu consegui ser.
Que consigam realizar cada um dos seus desejos
que nunca, nunca mesmo deixem de sonhar, de imaginar, de acreditar. Eu
vivi um mundo de sonhos e uma realidade de pesadelos, mas ela não precisa ser a
mesma realidade de vocês. Fiquem fortes e continuem sendo vocês mesmos, mesmo
que isso incomode alguém. Agora já me vou. Só, por favor, não me odeiem depois
de terem encontrado essa carta. Eu já não podia sofrer mais do que já estava
sofrendo. Me perdoem. E fiquem bem.
~A.L.S.
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