Caminho lentamente pelas ruas de uma cidade
adormecida. Aprecio o vento gelado que varre meu rosto enquanto apresso o
passo. No caminho me lembro de quem eu era no passado, das coisas que
aconteceram que me fizeram mudar, evoluir, me modificar. O antigo eu batalha em
minhas lembranças para se tornar um projeto melhor, uma figura mais bem
desenhada. Mas batalha é injusta, pois o eu de agora ainda caminha em mim,
enquanto o eu do passado caminha um pouco atrás.
E no meio dessas memórias, recordo-me das horas intermináveis
que tínhamos um com o outro. Sem precisar de mais ninguém. Apenas os dois.
Apenas. Passávamos horas a fio conversando sobre tudo e sobre nada. Riamos de
uma coisa qualquer, contávamos segredos, dúvidas, pensamentos. Compartilhávamos
opiniões, visões, desejos. Sem pressões, sem julgamento, sem pressa. Doce
ilusão.
Me lembro de deitar a cabeça no banco e ouvir você
falar de seus medos, de coisas que te envergonhavam. E ria baixinho ao te ver
ficar vermelho, rindo sem graça. Recordo-me dos conselhos pedidos e dos
ofertados, das perguntas, das respostas e daquelas sem resposta. Lembro-me de
cada gesto, palavra, cada minuto. E quando nos dávamos conta, o majestoso céu
cor de púrpura já se desdobrava numa majestosa manhã. E tínhamos de nos
despedir.
Um abraço, um afago, um carinho, um aperto de mão. E
voltava feliz para casa por ter encontrado em um antigo desconhecido, um
valioso amigo. Então, assim como começou, tão de repente e sem aviso, tudo
mudou. Encontrei um olhar frio e vazio, no lugar do olhar sorridente. Encontrei
uma presença distante, um alguém com medo de não sabe-se do quê. E finalmente
encontrei distância, encontrei paredes no lugar das pontes e vi ali, tão
distante, a silhueta borrada do que antes era a presença mais marcante e bordada
de sol.
Dor. Era tudo que eu podia sentir.
Procurei consolo em outros amigos, em livros, em
filmes. E nada preenchia o vazio que me inundava. E não encontrei resposta,
mesmo depois de questionar. Conselhos, opiniões diversas, olhares, palpites
sobre o assunto. Apenas serviram para aumentar o medo do recomeço. E já não sei
mais como olhar, tocar, sentir, admirar o antigo amigo. E mais dor.
Acabei por enclausurar em mim aquilo que antes transbordava
por cada poro do meu ser. Deixei o vazio se auto-preencher e se tornar uma coisa
só. Coloquei a dor no lugar do que antes tinha alegria e, por não achar lugar
melhor, joguei a admiração fora.
Hoje fito o banco que antes pipocava de lindas
recordações e miro o lugar que antes você ocupava, hoje vazio e incompleto. E
meus olhos já se bordam com gotas prateadas. Enxugo o rosto, levanto os olhos e
miro o além. O que irá me esperar após essa curva fechada na estrada que
partilhávamos e que hoje percorro sozinho? O que virá depois?
Já não sei mais o que quero ou se quero. Não sei se
gosto, se procuro o desgosto ou se resgato o sabor docemente amargo das memórias
segregadas nas têmporas que latejam dor. Antes eram certezas e passos largos,
hoje medo, insegurança e passos tímidos. Mas quem sabe?
A única certeza de que tenho certeza foi da promessa
que um dia fiz pra mim e que irei me esforçar para cumprir. Mas também não me
esquecerei daquela que fiz pra você. Estarei aqui, exatamente aqui, te
esperando. Quem sabe essa outra estrada que hoje percorremos não nos fará
companheiros de caminhada novamente? E que nessa nova estrada um mundo
completamente claro e com cheiro de novo nos aguarda?
Esperarei. É aquilo que posso fazer. Ser forte e
esperar. Mas não se preocupe. Te deixo um bilhete caso eu tenha que ir na
frente. E quem sabe um mapa. Assim poderemos nos encontrar novamente...
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